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Quarta-feira, 4/9/2013 Uma de nós Marilia Mota Silva Age is an issue of mind over matter. If you don't mind, it doesn't matter. Mark Twain (Idade é uma questão da mente sobre a matéria. Se você não se importa, não é importante) "Growing old is not for sissies". Envelhecer não é para "meiguinhos", Bette Davis, uma atriz famosa por representar mulheres fortes, disse, em meados do século passado, e a frase pegou porque é verdade. Envelhecer não é fácil. E nossa obsessão por juventude e padrões de beleza adolescentes não ajudam em nada. Estávamos conversando, quatro amigas, ao fim de um almoço com bons vinhos, boa música e linda vista quando o assunto enveredou por esse lado, o envelhecimento, mas, com exceção de uma de nós, o tom não era de queixa. Era de celebração. Estávamos resolvidas a ver o meio copo cheio. E a cada reclamação que uma de nós apresentava, outra rebatia com determinação. "Eu também me preocupava muito com a velhice. Quando nasci, meus pais já não eram jovens e eu me preocupava com eles. Perdia o sono pensando que eles tinham pouco tempo de vida pela frente, e sabiam disso. A decadência física me parecia injusta e de mau gosto. Agora que sou eu envelhecendo, minha perspectiva mudou completamente. E sinto até uma certa excitação, uma alegria de conquista. Como quem percorreu o caminho de Santiago de Compostela e, na chegada, livra-se das botas, da mochila, e sente a liberdade, a missão cumprida. É muito bom." "O velho é irrelevante. Invisível." "Mas pra quem? Se formos importantes para os que amamos, família e amigos, no mais, a irrelevância pode ser um presente dos céus." "A solidão! A falta de propósito." "Quando a internet nos dá acesso a tudo, aos amigos, a bibliotecas, a escolas, ao mundo inteiro, esse vazio pode ser facilmente preenchido". " A demência senil, o velho volta a ser criança". "O problema não é voltar à infância, mas tê-la renegado, para entrar na engrenagem, na corrida de ratos. As crianças vivem o momento, com todos os seus sentidos, porque ainda não sabem da vida. Os velhos, porque sabem." Sartre, Camus, nossos amores juvenis, eram passado Uma de nós não disse nada. O coro das otimistas se empolgou. "A liberdade, o tempo para gastar à toa, ler o jornal inteiro calmamente, olhar as nuvens, deitada na grama, as estrelas, tempo esquecido, quando você se sente mais viva do que nunca! Permitir-se não ser útil o tempo todo. Ser apenas, sem culpa, exige um sério treinamento!" "Envelhecer é um privilégio. Triste são as vidas cortadas antes da hora". Estávamos em aleluias desse jeito, quando uma de nós nos puxou de volta, com decisão. "Isso é papo de quem ainda não é velho e procura se convencer de que a velhice será boa. Eu digo, a velhice é uma merda! Isso digo eu que ainda tenho uma mente que me permite trabalhar (já com bastante dificuldade, vocês não imaginam como fico esgotada), que ainda tenho uma conversa que me permite ter amigos; mas já esqueço palavras, fatos, nomes - até quando vou ser capaz de acompanhar a conversa de mulheres mais jovens do que eu, uns 10 anos? Decadência física, decadência mental, uma sociedade que enaltece a juventude, que não tem um espaço para os velhos. Pernas que não obedecem, olhos que enxergam mal, ouvidos que já perdem uns 20% do que é dito, memória que falha, dificuldade de subir num ônibus. A cada ano mais amigos que se vão. E a permanente ameaça do Alzheimer." Não nos rendemos. Revidamos sem pudor com alegres platitudes (outra conquista da velhice): "Está bem! Mas nessa idade, como em qualquer outra, a chave é abraçar quem somos, completamente. Valorizar o que aprendemos, a perspectiva rica de quem viveu esse tempo de mudanças extraordinárias. E contar nossas histórias com orgulho (mesmo nos repetindo algumas vezes)." Sísifo em paz com a pedra, em paz com o absurdo, contemplando a paisagem, que é bela! É bela apesar de tudo. Marilia Mota Silva |
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