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Quinta-feira, 5/9/2013 Uma tese em três minutos Carla Ceres Bem que eu tentei me convidar para assistir à defesa de tese de um amigo na Universidade Estadual de Campinas, mas o mais novo doutor em Teoria Literária se esqueceu de aceitar meu autoconvite. Devo agradecer? Talvez. Segundo estimativa da Universidade de Queensland, Austrália, uma tese de oitenta mil palavras levaria nove horas para ser apresentada. Não é à toa que a maioria dos alunos de pós faz aquela cara de "É complicado" e muda de assunto quando alguém lhes pergunta sobre seu trabalho de conclusão de curso. Mestrandos e doutorandos dizem algo como "Você não vai querer saber. Eu mesmo não aguento mais pensar sobre isso". Compreendo essa reação. O êxito em um curso de alto nível requer trabalho exaustivo e poucas pessoas fora da banca examinadora podem compreender a pesquisa em profundidade. Mas acontece que eu quero saber sim e muitas outras pessoas se interessariam se os projetos de pesquisa fossem explicados em linguagem clara e atraente. Inventores não costumam se fazer de rogados quando lhes perguntam sobre seus projetos. Dê a eles uma oportunidade e verá como falam pelos cotovelos e acabam arrastando o perguntador para conhecer seus protótipos. Demonstram um entusiasmo contagiante e raramente subestimam a inteligência dos interlocutores. Já o pessoal acadêmico, com admiráveis exceções, parece pesquisar apenas para conseguir um título e vantagens profissionais. Obtido um cargo confortável, deitam-se sobre os louros e não escrevem nem um mísero artigo científico se não forem coagidos a isso. Falta-lhes paixão. Sua apatia contamina os alunos e aumenta os lucros das firmas que vendem trabalhos de conclusão de curso. Precisamos formar futuros pesquisadores apaixonados por suas áreas de atuação. Além da velha ladainha sobre professores bem pagos e bem formados atuando no ensino básico, os pesquisadores atuais poderiam contribuir dedicando parte de seu tempo a atividades de divulgação científica. Qualquer pós-graduando deveria ser capaz de falar sobre seus estudos com quem se interessasse. Não espero que sujeite os leigos curiosos que lhe caírem nas garras a nove horas de explicações detalhadas sobre o cultivo de células-tronco, ou os avanços na criação de marcadores luminescentes para exames laboratoriais. Mas bem que poderiam, pelo menos, dizer o título do trabalho, algo como Linguagem, aprendizagem e sociedade: como a estrutura populacional pode moldar o modo como se fala. É um golpe baixo porque esse palavrório todo assusta quem não se habituou à linguagem acadêmica. Provavelmente, a pessoa vai se dar por satisfeita e mudar de assunto. Quem persistisse em novas perguntas mereceria uma resposta entusiasmada e compreensível como "É um assunto muito legal. Você deve saber que algumas línguas são mais complexas do que outras. Acontece que a língua portuguesa, o inglês, o mandarim, o alemão são as línguas mais simples do mundo se nós as compararmos, por exemplo, ao tariano, língua ultracomplexa falada na Amazônia. Em tariano, se eu quiser dizer 'choveu', vou ter que usar uma palavra diferente dependendo de como obtive essa informação. Eu vi chover, ouvi chover ou alguém me contou que choveu? Cada caso, exige uma palavra específica. Estou pesquisando o que torna uma língua mais complexa do que outras. Descobri que a variação no grau de complexidade pode estar relacionada a fatores como o número de falantes. A língua tariana, por exemplo, tem apenas 150 falantes. Parece que quanto maior o número de falantes, mais simples o idioma se torna. Quero descobrir se isso realmente acontece e determinar o motivo". Eu não inventei essa pesquisa nem sua explicação. Elas foram apresentadas por seu autor Mark Atkinson, aluno de PhD da Universidade de Edimburgo, Escócia, durante uma competição internacional chamada Three Minute Thesis. A ideia do concurso nasceu na Universidade de Queensland e foi ganhando a adesão de outras universidades pelo mundo. Todos os competidores precisam ser alunos de PhD e apresentar suas teses em três minutos e um slide, para uma plateia de pessoas inteligentes que não sejam especialistas no assunto. Os jurados não avaliam a tese em si, mas a apresentação, que deve ser clara, empolgante e interessante. A final da Universidade de Edimburgo teve nove participantes falando sobre suas pesquisas nas áreas de medicina, psicologia, bioquímica, linguística computacional... Alguns se mostraram mais desembaraçados e aproveitaram melhor seus três minutos, mas todos foram claros. Pretendo acompanhar a grande final online, porque divulgação científica bem feita é admirável. Nota do Editor Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/ Carla Ceres |
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