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Quinta-feira, 3/10/2013
Imitação da Vida e as barreiras da intolerância
Carla Ceres

O romance Imitação da Vida, uma história lacrimogênia sobre duas amigas, uma negra e a outra branca, lutando para criar suas filhas, foi publicado em 1933, pela escritora norte-americana Fannie Hurst. Agradou tanto ao público que, no ano seguinte, ganhou sua primeira adaptação cinematográfica, sob a direção de John M. Stahl. A segunda versão para o cinema, com o diretor Douglas Sirk, surgiu em 1959. Ambos os filmes fizeram grande sucesso e ainda hoje são lembrados em discussões sobre racismo, machismo e preconceito social.

A série de TV Mad Men, que estreou em julho de 2007 e retrata o mundo dos publicitários da avenida Madison, em Nova York, durante a década de 1960, provocou uma onda de interesse por propagandas antigas e seus conteúdos preconceituosos. Incrédulas, muitas pessoas procuraram parentes e amigos mais velhos para saber se o papel humilhante reservado às mulheres e aos negros, há cerca de 50 anos, era aquele mesmo ou se havia exagero naqueles anúncios. A resposta foi: "Era daí pra pior. Você nunca viu Imitação da Vida?" Assim os filmes ganharam um novo público.

Em 2008, para comemorar o Mês da História Negra, a revista Time publicou uma lista feita pelo crítico Richard Corliss, com os 25 filmes que "derrubaram as barreiras da intolerância". O primeiro Imitação da Vida, de 1934, marcou presença. Esse filme em preto e branco é mais fiel ao livro de Fannie Hurst. Conta a história da viúva branca Bea Pullman (Claudette Colbert) que luta para sustentar sua filhinha, também branca, Jessie. Por sorte, Bea encontra Delilah Johnson (Louise Beavers), uma ótima cozinheira negra que se oferece para trabalhar como empregada e babá em troca de um lugar para morar com sua filhinha Peola, cuja pele é tão clara que "parece branca".

As duas mulheres se tornam muito amigas e trabalham juntas para abrir um restaurante onde vendem as excelentes panquecas feitas segundo a receita secreta de Delilah. Depois de anos labutando juntas, Bea aceita a sugestão de um amigo e começa a vender a "Farinha para Panquecas da Tia Delilah" em caixas. Torna-se, assim, uma rica empresária. Delilah recebe 20% dos lucros, também está rica, mas prefere continuar como doméstica e babá na casa de Bea. Desde pequena, Peola, a filha de Delilah, aproveita sua pele clara para tentar "se passar por branca" ainda que, para isso, precise renegar a própria mãe.

Na época em que foi lançado, muitos negros reclamaram que o filme apresentava Delilah como uma caricatura da babá negra afetuosa, subserviente e ingênua por natureza. Eles estavam certos. Leitores modernos do livro de Fannie Hurst se queixam da mesma coisa, esperavam mais atitude do personagem. Outros não entendem bem qual era a importância de ser considerado negro na época. Vale lembrar que os estados do Sul dos Estados Unidos tiveram rígidas leis segregacionistas, que proibiam os negros de frequentar certos lugares e de se casar com brancos. Para aplicar essas leis, entretanto, era necessário determinar quem era de qual "raça".

"A lei do estado da Virgínia definia uma pessoa negra como alguém com 1/16 de ascendência africana. Já a Flórida definia uma pessoa negra como alguém com 1/8 de ascendência africana. O estado do Alabama dizia que você é negro se tiver qualquer ascendência negra, qualquer ascendência africana que seja. Mas sabe o que isso significa? Você pode cruzar uma fronteira estadual e literalmente, legalmente mudar de raça", comenta o historiador James Horton no documentário Race: the power of an illusion.

Na nova versão em cores, de 1959, a história mudou bastante. As lutas pelos direitos civis dos afro-americanos não permitiriam uma Delilah recebendo meros 20% de um negócio que merecidamente levava seu nome. A trama gira em torno de Lora Meredith (Lana Turner), uma viúva loira e linda que luta para criar sua filha Susie e se tornar uma estrela da Broadway, e sua empregada e amiga Annie Johnson (Juanita Moore), uma negra que cria sozinha uma filha, Sarah Jane, que poderia e pretende "se passar por branca".

Luxuoso e elegante ao extremo, o filme foi mal recebido pelos críticos que o consideraram um dramalhão. O público, entretanto, adorou. A questão do racismo continuava presente, mas, dessa vez, tratada de uma forma que agradou aos espectadores negros. A novidade que estarrece os espectadores jovens de hoje em dia é o grau de machismo na história. Talvez também por isso, ainda gere tanta discussão. Digam os críticos o que disserem, estejam eles certos ou não, Imitação da Vida é um clássico e os problemas que levanta ainda não foram bem resolvidos.

Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/

Carla Ceres
Piracicaba, 3/10/2013

 

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