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Quarta-feira, 30/1/2002 Pode guerrear no meu território Paulo Polzonoff Jr Tenho de escrever, hoje, sobre uma tal Guerra dos Sexos. Não sei se existe tal guerra porque, para ser sincero, não vivo assim num espírito belicoso com as mulheres que me cercam. Elas lá e eu aqui. Infelizmente, elas não têm invadido meu terreno ultimamente, por isso não temos travado batalha alguma (e-mails para este colunista). Para ser sincero, estou louco para que invadam meu território e, se isso acontecer, prometo que vou ficar aqui, parado, observando como elas pilham e barbarizam a gente - por amor. (Amor é uma palavra feia. Certa vez, escrevi para uma pessoa querida, dizendo que "temos de inventar uma nova palavra, à moda de um Guimarães, para dizer que nos amamos. Que esta - amor - está gasta e me soa sempre como uma novela colorida demais. Não vou conseguir olhar para você e dizer que te amo porque, sinceramente, não é isto que sinto. Não me compreenda mal. Não é isto que sinto; não sinto por você o mesmo que o personagem do Toni Ramos sente pela Vera Fisher. De preferência deveríamos usar uma palavra que não soasse tão doce. Como se diz cancro em armênio? Por certo é um som gutural que se parece muito com o barulho que fazemos nos amando. E por certo é uma palavra cheia de consoantes, com uma vogal só de enfeite. São as vogais que estragam o amor.") O fato é que o texto deve ser escrito e eu resistirei à tentação de escrever algo mais literário para revisitar três textos que publiquei neste Digestivo Cultural no ano passado, relacionados sobre o assunto. O primeiro deles, A Literatura da Falência do Macho, trata de dois livros que acho fundamentais, neste início de século, para entender como os homens perderam seus (falsos) lugares de donos do mundo. O primeiro deles é de um gênio da literatura francesa contemporânea, um homem polêmico, com uma prosa cheia da mais voraz ironia e cheia de uma crueldade de fazer corar qualquer escritorzinho vagabundo de hoje em dia, que, em geral, não tem opinião alguma sobre coisa nenhuma. Falo de Michel Houellebecq, autor de Partículas Elementares. O livro vendeu mais de 2 milhões de exemplares quando do seu lançamento na França. Aqui, para variar, passou despercebido, porque foi lançado pela pequenina editora Sulina. De qualquer modo, se você, leitor, for um destes sortudos e conseguir encontrar o livro, não tenha dúvidas em comprá-lo. O romance trata de dois irmãos. Um deles é um biólogo que, ficamos sabendo logo nas primeiras páginas, será considerado, num futuro próximo, assim uma espécie de novo Jesus Cristo. Um enviado de Deus, porque, como cientista, entenderá a vida. O outro, por sua vez, é um típico filho da Revolução Sexual. Vivendo a tradicional crise da meia-idade, só vê salvação em uma coisa: sexo. Algo que escrevi à época me parece caber, neste texto sobre a Guerra dos Sexos: "Houellebecq, que dedica o livro 'aos homens', não encontra saídas para o homem moderno. O de tradição rígida, aristotélica, é o responsável pela criação de um novo sistema religioso, do qual posteriormente acaba virando um ícone, uma espécie de 'Cristo do Tubo de Ensaio'. Para ele o homem, provido de pênis e pêlos no peito, já não serve mais para nada e sua existência só se dará por aceitação da nova divindade, a ciência. Teríamos, sobretudo, de nos curvarmos à inexorabilidade de nossa extinção. Reverenciemos, pois, a ciência. "O irmão boa-vida, espécie de playboy perdido nas infinitas possibilidades do amor sexual depois dos anos 70, mas que ao mesmo tempo vive uma crise de sublimação por conta da AIDS, religiões e leis, é a prova de nossa possível extinção moral e na nossa irrecuperável decadência física. É patente, no livro, a constatação de que nós, homens modernos, somos algo inferiores, por exemplo, ao homem das cavernas, uma vez que estamos, por força da vida sedentária, incapacitados para ganharmos nosso sustento com nossa próprias mãos. Não estamos habilitados para coisas simples, como matar um animal e comê-lo ou plantarmos nosso alimento. Chegamos, por este prisma, ao ponto mais baixo de nossa escala evolutiva." O outro livro de que falo é Alta Fidelidade, de Nick Hornby. Sim, aquele folhetim pop bobinho dá ao bom (e paciente) leitor subsídios para entender no que nós, homens, nos transformamos, ou seja, em seres idiotizados, verdadeiras crianças velhas, incapazes de alcançar a maturidade. Sobretudo a leitora já deve ter se deparado com o tipo. Digamos que ele tenha trinta anos. Pode ter mais, pode ter menos. Já na indumentária mostra o que pensa, ou melhor, o que não pensa: usa bermudas largas, de surfista, sempre tênis e camisetas com apologia à maconha, por exemplo. Aliás, maconha ele fuma, se duvidar, até junto com os filhos. Escuta rock, claro. E se esforça pateticamente para aprender as gírias das novas gerações. Já em A Crise da Mulé (texto com um título horrível, tenho de admitir), trato justamente da crise pela qual a mulher contemporânea passa. A mulher, que nas últimas décadas ganhou espaço em todas as áreas outrora dominadas pelos homens, vê-se, agora, refém das próprias conquistas. No texto, eu digo que "as mulheres passam por uma crise semelhante à do homem, hoje despido de seu papel de macho provedor e confinado a um não-sei-que-função na sociedade do futuro, com suas promessas de clones, filhos perfeitos e vibradores de última geração". E construo o texto a partir de observações meramente empíricas. As observações, na verdade, são bem simples, e pretende tipificar as mulheres. Falo daquelas que têm um discurso liberal, e até mesmo um comportamento liberal, mas que, ainda assim, gostam de um poeminha de amor, daqueles que rimam mar com amar. Também discorro sobre aquelas que são falsas puritanas, cheias de culpas pelo hímen perdido. Ainda trato daquelas que se consideram auto-suficientes tanto sexual, quando profissional e afetivamente. E, por fim, cito aquela mulher que simplesmente abdicou das conquistas "revolucionárias" da década de 60 para voltar ao lar e seus princípios tradicionalíssimos, como a virgindade. Claro que aquele texto me causou dor-de-cabeça. Algumas ex-namoradas que o leram me ligaram ou escreveram exigindo satisfação. Como não usei nomes e sim letras, queriam saber a qual elas correspondiam. Leitoras também me escreveram, protestando contra o mesmo suposto machismo (simplesmente um homem não pode escrever sobre mulheres sem ser taxado de machista). O texto, contudo, que me deu maior dor-de-cabeça em se tratando da tal guerra dos sexos foi De Dentro do Banheiro. Tem gente que não fala comigo até hoje por conta daquele texto. Por isso cheguei à conclusão um tanto quanto sórdida de que homens e mulheres podem muito bem conviver em harmonia. O que não podem mesmo, sob pena de ostracismo máximo, é falar de certos atos íntimos alheios. É que neste texto falo sobre (peço perdão às e aos puritanos) masturbação. Na verdade, o texto não pretendia falar exatamente sobre masturbação, e sim sobre a revista Playboy, que, num passado nem tão remoto assim, fazia a cabeça (e outras partes do corpo) dos meninos, e que hoje não passa de uma publicação vulgar, praticamente ginecológica. Em certo momento, porém, eu digo solenemente que Playboy é sinônimo de masturbação. E constato, logo em seguida, que este é a último tabu sexual. O parágrafo que causou comoção em algumas mulheres dizia, simplesmente: "Eu vejo mulheres escreverem sobre o absurdo da virgindade (a virgindade feminina para mim é um absurdo), sobre diversas práticas sexuais não-ortodoxas, enfim, sobre toda uma vasta gama de assuntos femininos, que vão desde o sexo durante a menstruação até, sei lá!, a literatura de Anïs Nïn. Só que ninguém fala sobre masturbação. E este assunto fica pairando no ar como algo anacrônico e imperecível. Mulheres, falem!" O problema, para ser mais exato, foi esta conclamação final. Quando pedi às mulheres que falassem, teve gente que disse que eu era assim uma espécie de tarado querendo saber detalhes da prática alheia. A partir deste momento, desisti, simplesmente, de pensar sobre a tal Guerra dos Sexos. Porque descobri que este é um assunto-sem-fundo, como política e futebol. Coisa para, curiosamente, ser conversado sobre entre os seus, ou seja, homens com homens, mulheres com mulheres. Antes que vocês, leitores, pensem que eu tive preguiça de escrever um texto deveras original, por isso fiquei fazendo auto-referências, tenho a lhes dizer que em mim reside uma dúvida. Queria que os senhores me respondessem, mas tenho até medo de pedir. É que eu estava aqui pensando em como será a tal Guerra dos Sexos num relacionamento homossexual? Será que não existe guerra porque, afinal, não existe diferença de sexos? Não há (em teoria, em teoria) diferenças anatômicas nem tampouco hormonais. As mulheres entenderiam problemas (o termo não é exato) comuns a mulheres, como a famosa tpm. E os homens entenderiam problemas típicos de homem, como... bem, problemas típicos de homem. Para finalizar. Dei duas sugestões de leitura para quem quiser entender a crise masculina: Partículas Elementares e Alta Fidelidade . Para as mulheres, acho interessante ler O Diário de Bridget Jones, que é bobinho mas instrutivo (na verdade, eu acho mesmo é que homens deveriam ler este livro). Clássicos como Madame Bovary, Dom Casmurro e Anna Karenina também ajudam a entender as mudanças por que passaram as mulheres no último século. Literatura pornográfica de qualidade é difícil de achar. Sugiro, com muitas, mas muitas reservas mesmo, Anaïs Nïn e Henry Miller. Sobre o amor homossexual, indico Caio Fernando Abreu, em seu livro mais famoso: Morangos Mofados. Em tempo: sei que é politicamente incorreto dizer isso assim, mas, só para não restar dúvidas: eu não sou homossexual. Não que tenha algum problema, claro... Paulo Polzonoff Jr |
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