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Sexta-feira, 15/11/2013 Os sons do 22 Patrícia Chmielewski Todo dia tem seus sons. As horas tem sua música própria, sua própria voz. Ô se tem. A segunda tem, a terça. Domingo tem. Tem sono e cachorro latindo tem. Som de passarinho em bando, em revoada tem. Barulho de trim trim de buzina de bicicleta e dos pequenos reparos domésticos no quintal do vizinho da esquerda tem. Shhhh de som de churrasco e batuque no vizinho do outro lado da rua e de moleque soltando pipa ladeira abaixo tem. Domingo tem som de paz e melancolia tem tem. Não é que tem? Estranho então que tenha sido bem no domingo. Bem no vão de domingo pra segunda, na madrugada entre o silêncio e o ronco do primeiro Terminal Santo Amaro, hein? O som seco do estouro que explodiu os sonhos do domingo em desastre, desgraça, destroço. Eu, hein? Fosse terça, fosse quarta, quinta que fosse, seria normal aquele estampido, estrondo, estalo, batuque misturado ao som dos motores dos carros tunados gritando e batendo essa musica alta e ruim, estourando os falantes e invadindo os ouvidos vibrando nos travesseiros no meio da insonia da semana útil tum tum tum. Mas o que é que tem? Fosse quarta, fosse quinta, sexta que fosse. Seria natural o tranco, estalido agarrado nos gritos do casal do 34. Brigando, vociferando, praguejando e estilhaçando o quinto jogo de louça inteirinho contra a parede grudada na minha pá pá pá, o que é que tem? Porque o Adão chega tarde, atrasado, sujo de rua e de álcool. Então chega e não chega a convencer Sueli de que é inocente o atraso o estalo o estouro, o estrondo, o tranco, o ruido, o estampido, o baque surdo, o som seco que eco, ecoa e ecoa e ecoa. Eu, hein? Mas é bem de domingo, bem de domingo que não tem o eco do som seco do baque do estrondo do estalo estampido estalido do tiro de bala dentro da boca no meio da cara do infeliz do sujeito do 22. Largado pela namorada pelo Jair do almoxarifado com a cabeça arregaçada sujando o tapete lambido de sangue pisado pelo fox terrier que a Izaura insistiu em comprar. Né, meu bem? Mas é bem de domingo, quase segunda que esse som fica ali até notarem que o carro parado pra fora da vaga com a bunda travando toda a passagem, bem no meio da nossa garagem. E o carro do 23 que buzina buzina, esse som de segunda pra acordar o maldito vizinho infeliz sozinho do 22. Que dorme na poça de sangue no tapete na paz do domingo do som de passarinho, trim trim de buzina de bicicleta e dos pequenos reparos de churrasco e batuque e de moleque e pipa ladeira abaixo. Tem sono e tem som de cachorro latindo. É um fox terrier. Tem som. Ô se tem. Ô semana que vem. Nota do Editor: Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no blog De Propósito. Patrícia Chmielewski |
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