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Quinta-feira, 5/12/2013
As feéricas colagens de G.Comini
Eugenia Zerbini

Sob o título In between, G. Comini (1955- ) expõe pela primeira vez suas colagens. A mostra reúne trabalhos do artista, executados durante o período de 14 anos. Os originais de pequenos tamanhos foram ampliados sob a forma de prints de grandes dimensões, dos quais foram feitas tiragens numeradas. São essas gravuras portentosas que chamam atenção, uma vez que visíveis desde entrada do hall do Hotel Renaissance (SP), local que acolhe a exposição, em cartaz até o início do próximo ano.

Discutir se colagens são arte é uma questão ultrapassada. As técnicas relacionadas à colagem (ou collage, do francês coller) são contemporâneas à própria invenção do papel na China, por volta do século 2 AC. A Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais, contudo, define a colagem como uma técnica que começou a ser utilizada pelos artistas no início do século XX, em associação com o modernismo (nesse mesmo sentido, os glossários on line mantidos tanto pela Tate Gallery como pelo Museu Guggenheim). Além do ato de colar algo a alguma coisa, deve existir a sobreposição de perspectivas e de sentidos.

Penas podem formar a plumagem, mas não será a cola que fará a colagem, citando o artista plástico e poeta surrealista Max Ernest(1891-1976). Ignorando, assim, os experimentos anteriores dessa técnica (como as maravilhosas flores de Mary Delany (1700-1788), grande dama inglesa do século XVIII, realizadas em papel, pétalas e folhas desidratadas e aquarela, além das ilustrações , feitas para seus próprios contos, do escritor Hans Christian Andersen (1805-1875), no século XIX, a base de desenhos e recortes) George Braque (1882-1963) foi o pioneiro na área. Ao colar sobre seus desenhos pedaços de madeira e jornal, em 1912, teria rompido o espaço do suporte da obra, a ele adicionando elementos exteriores de toda sorte (tangíveis, como a madeira, e intangíveis, como as informações de um jornal). Foi seguido por Pablo Picasso (1881-1973), que partiu para a aplicação dessa técnica em tela. Desse modo, cartas de baralho, rótulos de bebidas, tipos tipográficos, retalhos de papel de parede, foram colados ao espaço plano da obra, até então preservado rigorosamente plano e uniforme, como na Renascença. A partir daí, artistas de diferentes escolas, como o surrealismo, e a pop art praticaram a técnica da colagem.

A arte de Comini revela outra vertente da collage: o reaproveitamento, a reutilização e a redisposição. "É interessante perceber que até mesmo pela natureza da colagem, ela é uma combinação de parcerias entre ingredientes diversos. A colagem (como eu faço) é na sua essência arte plástica cuja base de criação são elementos de arte gráfica (mídia impressa 'reciclada'). Para formar a minha imagem final, eu me aproprio de centenas de imagens criada por outros anônimos, por artistas. E mesmo que não me dê conta imediatamente disto, estabeleço com eles uma mecânica de criação conjunta. Mais uma vez, temos aqui uma parceria. Como a mais antropofágica das artes, a colagem se alimenta de todo tipo de imagem e lhes transforma o conteúdo e a forma", detalha o artista no elegante catálogo bilíngue da mostra, cuja apresentação é assinada pelo crítico Olivio Tavares de Araújo

Comini cria suas obras lançando mão apenas de recortes de revistas e papéis de presente, que são recortados a mão para reformatá-los em arte. Para o recorte minucioso, tesouras não são suficientes. Em uma prática perfeccionista, utiliza lupa de joalheiro, bisturis e pinças cirúrgicas. Uma caixa exposta ao lado dos originais está na exposição, como prova. Não há interferência de desenho algum, apenas alguns contornos, de acordo com o artista, são reforçados com canetas de ponta fina.

Não que Comini, membro da International Society of Assemblage and Collage Artists, desconheça a arte do desenho: foi o primeiro designer gráfico do país voltado inteiramente para moda. Em tempos distantes da computação gráfica, nos heróicos anos 1970, dedicou-se à criação de logotipos, tags, embalagens, estamparias, tendo criado para nomes como Zoomp, Forum, Maria Bonita, Equilíbrio, Glória Coelho e Huis Clos (uma lágrima para o talento que foi Clô Orosco, que decidiu partir no início do ano). Sintetizando: Comini é o autor da forma definitiva do tão idolatrado "raio" da Zoomp, que energizou a moda da louca década de 1980. No auge da carreira, ele optou por um período sabático, que acabou se estendendo. Durante esse tempo, essa sua outra vertente revelou-se.

As colagens de Comini são lindamente barrocas em sua atualidade pós-moderna, tanto na proposta de recriar em cima do já criado, como na assinatura ímpar de seu autor. É o mundo excessivo, em vertiginoso e hipnótico zapping. Janelas que se abrem para outras janelas, em um moto-continuo. Se as imensas gravuras que pendem nas paredes captam a atenção de imediato, será a contemplação dos originais de proporções menores que irá despertar outros sentidos. Sentidos que se sobrepõe, do cinematográfico ao literário, em jogos de associações livres. O resultado final dependerá do gosto e da bagagem de informações de cada um.



"Uma rosa é uma rosa é uma rosa", de Gerturde Stein, é o que evoca a contemplação de Desejo.



Ao deparar com os cisnes e as penas do Orgulho e Vaidade , há quem não consiga se esquivar da lembrança dos versos de Leda e o Cisne, de W.B.Yeats (1865-1939): "Um baque, súbito: ei-lo em forte ruflar de asa/Sobre a jovem que oscila, a coxa acarinha/Com a membrana escura, a nuca lhe atenaza/E o peito sobre o peito sem amparo aninha.

Concluindo, a colagem, arte centaura ou quimérica - uma vez que composta de recortes de outros seres - exibe sua face feérica na exposição In between de G. Comini. A mostra fica em cartaz no Hotel Renaissance, em São Paulo (Alameda Santos, 2233), até o dia 5 de janeiro de 2014, seguindo em maio para o Museu Inimá de Paula, em Belo Horizonte MG), onde permanecerá até 20 de junho de 2014.


Eugenia Zerbini
São Paulo, 5/12/2013

 

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