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Quinta-feira, 24/1/2002
Aqui, ali, em qualquer lugar perto do palco
Adriana Baggio

Praça do Povo - Espaço Cultural - João Pessoa/PB

Noite de sábado, show de Rita Lee no Espaço Cultural, aqui em João Pessoa. Concorrendo com ela, Skank no Forrock e Gil e Banda (argh!!!) Beijo no Clube Cabo Branco, fora uma rave (yes, nós temos raves!) do Mercado Capim Fashion, espécie de Mercado Mundo Mix local. Muita atração para uma cidade de 600 mil habitantes, onde 599 mil são funcionários públicos aposentados. Errrr, brincadeirinha...

É claro que fui no show da Rita Lee, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque eu amo Rita Lee, adoro Beatles, comprei o novo CD, Aqui, Ali em Qualquer Lugar, e achei o máximo. Segundo, não são tantas as oportunidades de atrações culturais por aqui. Terceiro, minha carteirinha de estudante permitiu pagar apenas 10 pila pelo ingresso. Em Curitiba, sairia por volta de R$ 30 ou R$ 40, eu acho. Lá os shows dela aconteceram quase sempre no Teatro Guaíra. Além de imobilizar o público, ainda elitiza bastante. Aqui o esquema foi mais popular. O Espaço Cultural, local da apresentação, é de uma fundação ligada ao governo estadual. A estrutura e o conceito são muito interessantes. O Espaço Cultural abriga o Teatro Paulo Pontes, o Cine Bangüê, o Museu José Lins do Rêgo, a Galeria Archidy Picado, além de escola de música, clube de xadrez, planetário, lojinhas de artesanato, agência dos Correios e do Banco do Brasil. Um amplo espaço aberto e coberto divide duas construções principais, uma em cada extremidade do Espaço, que deve ser mais ou menos do tamanho de duas quadras. Uma das coisas mais legais de lá são as cadeiras do teatro e do cinema. É muito pitoresco! Parecem cadeiras de praia, daquelas de lona. Mas essas são feitas de estrutura de madeira e um couro azul. Enquanto estão vazias, as cadeiras ficam com o couro esticado. Quando você senta, o couro se desenrola dos bastões que ficam nas costas e na dobra dos joelhos e você afunda. Se a peça ou o filme forem muito chatos, dá pra tirar uma soneca das mais agradáveis. Assim como quase todo o Espaço, as cadeiras estão sentindo o peso da falta de manutenção e de cuidado, e os ácaros em breve terão posse legítima do local por usucapião.

A área que divide as duas extremidades do Espaço Cultural é chamada de Praça do Povo. Como disse, é um vão enorme. Minha capacidade para descrição de estruturas é muito limitada, mas vou tentar explicar como é. O teto, muito alto, é suportado por uma espécie de treliça gigante, que por sua vez se apóia em enormes colunas de ferro, que através de cabos de aço, fazem com que o negócio todo fique em pé. Sei que aquilo não cai por causa da tensão dos cabos de aço puxando as treliças, mas não sei dizer como isso funciona. Deu pra entender? Ok, eu sei que não, mas quando vier para João Pessoa, não deixe de visitar o Espaço Cultural, principalmente se você for engenheiro civil (ou então olhe mais uma vez a imagem que está no começo da coluna).

Pois bem, o show da Rita foi na imensa Praça do Povo. A Praça é plana, mas nas bordas há uma inclinação, uma rampa. O palco ocupa uma das extremidades, e é da largura da parte plana, terminando exatamente onde começa a rampa. O público fica na frente do palco e tem muitos metros para se espalhar para os lados e para o fundo, sem precisar chegar até a parte inclinada. No entanto, a exclusão social neste estado alcança até quem conseguiu comprar ingresso para o show. Assim como outras vezes, os organizadores venderam ingressos simples e mesas. As mesas ficam exatamente na frente do palco. O espaço das mesas, cercado por cordas, também termina exatamente onde começam as rampas laterais. Portanto, os "excluídos" que compram ingresso simples têm que escolher entre se equilibrar nas rampas para tentar ver o show de perto, de um ângulo agudo, ou ficar de frente para o placo, mas depois da área das mesas, ou seja, a muitos, muitos metros de onde as coisas acontecem.

No outro show que assisti no Espaço Cultural, de Marisa Monte, fiquei de frente para o palco, depois das mesas. Daquela distância, se fosse o Djavan que estivesse lá não teria feito diferença, já que eu não enxergava nada mesmo. Para poder ver melhor Rita Lee, resolvi tentar as rampas laterais. Ela começou o show e deve ter tido a seguinte visão: logo depois do palco, com uns 3 metros de altura, um espaço separando ela e a área das mesas; atrás e ao lado da área das mesas, separados por um cordão de isolamento, estávamos nós, o resto do público, que nem era tão grande assim, e ficou longe de lotar a Praça do Povo. Depois da primeira música, Rita deu boa noite a João Pessoa e perguntou o que aquele povo todo estava fazendo lá atrás e dos lados. E com a expressão mais cândida do mundo, perguntou se o pessoal das mesas se importaria que nós, os "excluídos", ficássemos logo em seguida do palco, na área antes das mesas. Foi a glória! Corremos todos para a frente do palco, e fiquei na primeira fila.

Meu torcicolo foi sendo construído durante todo o show. Dava para ver a caquinha do nariz de Rita Lee. Dava para ver as gotinhas de suor escorrendo do maravilhoso pescoço do marido dela. Achei o máximo ela ter percebido a exclusão, e a situação ridícula que aquela distribuição de público causava. Durante o show ela teve outras atitudes de "deliciosa anarquia", como disse um amigo. Fez uma pesquisa eleitoral, e todos os candidatos citados foram vaiados, exceto Lula; chorou por causa da posição de Maluf em primeiro lugar nas pesquisas para governador de São Paulo; falou das mulheres afegãs. A gente sabe que esses momentos não são tão autênticos assim, que ela repete as brincadeiras em todos os shows da turnê. Mas Rita Lee é muito carismática, muito simpática, e muito profissional. Ela sabe que está ali para divertir o público que pagou ingresso, mesmo que pareçam meia dúzia de gatos pingados provincianos distribuídos em um local inadequado.

As músicas do show foram basicamente do novo disco, com versões e arranjos para músicas dos Beatles, e antigos sucessos. Para lembrar os 20 anos da morte de Elis Regina, completados exatamente naquele dia 19, Rita cantou Alô, alô, marciano; também fizeram parte do repertório Óculos, dos Paralamas, e uma versão para I want to hold your hand, dos Beatles. Esta versão ficou um barato. Não dá para lembrar da letra, mas é uma coisa muito simples, aparentemente pueril, sobre um bode e uma cabra. A versão de Rita para o som do "haaaannnnnd", na voz dos Beatles, era um sonoro bééééééééé... Considerando que a gente está no nordeste, e bodes e cabras são muito comuns por aqui, a apresentação desta música em particular foi muito feliz. O público adorou, assim como quase veio abaixo quando Rita Lee apresentou a banda e, entre os músicos, João Barone.

De tudo que aconteceu de bom neste show, o que mais me marcou foi o fato de ela ter percebido a "segregação" do público e ter se dado ao trabalho de chamar atenção para o ridículo daquela situação. É lógico que, como o espaço é muito grande e estava longe de ficar lotado, a aproximação do público era mais interessante para ela, também. E depois, se não estivéssemos ali, no gargarejo, para quem o (maravilhoso, vitaminado!) Roberto de Carvalho iria jogar suas palhetas?

Para ouvir e curtir:

Aqui, Ali, em Qualquer lugar

Aqui, Ali, em Qualquer Lugar - Rita Lee - Abril Music

Adriana Baggio
Curitiba, 24/1/2002

 

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