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Quinta-feira, 6/2/2014 Lina Chamie e sua cartografia sentimental de SP Elisa Andrade Buzzo ilustra: Renato Lima Quem além de uma cineasta como Lina Chamie poderia realizar um "quase" documentário como uma "declaração de amor pela cidade de São Paulo"? Sim, foram estas as suas palavras na sessão do longa São Silvestre no Cinesesc, com sua presença na plateia, ainda dizendo o quanto era especial a exibição do filme no aniversário de São Paulo, numa sala com som e tela excepcionais como aquela. Importante, emocionante, sentimental, contundente, necessário e documental registro da mais importante corrida de rua do país, a São Silvestre, o longa-metragem homônimo de Lina talvez não se disponha a isso, mas consegue completar tarefa também árdua: encontrar poesia na cidade que dizem feia e barulhenta, com suas calçadas em péssimo estado, a fiação percorrendo os caminhos, o concreto farfalhando como adereço quase único na dimensão citadina. E encontra um lirismo como que desacordado estivesse e se levantasse no amanhecer com um corredor solitário no Minhocão (uma preparação para a grande corrida-concerto?), depois, sobretudo no tráfego paulistano − coisa tão presente e angustiante na vida dos que moram na cidade −, o que se dá pelo uso de uma boa trilha com músicas clássicas com grande força e intensidade emocional. O feito não só é totalmente inédito pois encontramos traços dessa concepção em Via Láctea, da mesma cineasta. A paisagem paulistana é o cenário principal e suntuoso desta obra de arte sensorial-cinematográfica, em que a câmera passeia, indo do chão ao céu, pelos centros novo e velho da cidade. E as imagens dos corredores, mar de gente colorida, impressiona. Não são atletas de primeira linha, antes a gente da cidade que é documentada não só por meio das corredores, mas também em closes de pessoas do público que assiste, comemora e se emociona com a corrida de rua. À trilha, em que consta a Sinfonia nš 1 de Mahler e o Poema do Êxtase, de Alexander Scriabin, interpõe-se em grande parte do tempo uma respiração ofegante de corredor. Ao que parece, anônimo − seria então uma metáfora da cidade que pulsa, respira? E a chuva no dia da corrida leva a um visual mais dramático, onde tanto corredores quando os carros na Avenida Paulista mantêm seu bailado, realizam as curvas com suavidade na cidade embebida em água e lirismo. Elemento interessante é a inserção do ator Fernando Alves Pinto, que participa da corrida e a completa munido de uma câmera presa ao corpo. Quando temos sua imagem na tela, há mudança para o registro em preto e branco e, ao final da prova, passando pela linha de chegada, é como se finalmente ele se integrasse ao mundo colorido do "documentário". A presença do ator-corredor lança ainda mais dúvidas sobre a natureza do filme; dúvidas que deixam São Silvestre, uma história de superação e amor pela cidade, ainda mais instigante em seu registro documental-sentimental. Elisa Andrade Buzzo |
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