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Segunda-feira, 19/5/2014
Uma Viagem à Índia, de Gonçalo M. Tavares
Carina Destempero

Melancolia contemporânea (um itinerário)

Não posso começar essa resenha de outra forma que não seja dizendo que Gonçalo é um gênio da literatura. Transformar um épico sobre uma viagem à Índia, dividido em cantos e estrofes, num tratado sobre a vida contemporânea é quase inimaginável; mas foi exatamente o que ele fez.

"Sim, tu deves render-te à vida, "ou logo à morte", não há uma terceira opção. E se te rendes ao facto de estares vivo, avança."

Essa frase é ótima para falar da espinha dorsal de Uma Viagem à Índia: Bloom é um personagem que descobre que não há como fugir da vida. No início do livro ele foge de uma situação trágica, acreditando que uma viagem, o deslocamento físico, o fará escapar. Mas, aos poucos, vai percebendo que não há fuga possível da própria vida, de nós mesmos, e que "somos inseparáveis do nosso pior. Pode-se fingir durante anos, mas cada um é inseparável da sua maldade". Quando Bloom começa a perceber isso, o subtitulo do livro, "Melancolia contemporânea (um itinerário)" ganha ainda mais força, pois fica claro que é esse percurso que acompanharemos, não só a viagem física para a Índia e todos os acontecimentos decorrentes disso, mas também a viagem de cada um de nós, leitores pós-modernos, pela melancolia e tédio em que vivemos sem nem nos darmos conta.

"E Bloom, como todos os seres vivos, preferiria que a vida decorresse num tabuleiro onde todas as peças estivessem visíveis."

Mais uma frase genial que traduz bem o espírito do livro, e o que fez com que eu me apaixonasse por ele. Quem não se identifica com o desejo de saber o futuro, de ter certeza de suas decisões antes de fazê-las, quem não gostaria de que tudo fosse matematicamente lógico e a vida perfeitamente explicável e traduzível? Eu certamente já senti isso, e acredito que a maioria dos leitores melancólicos contemporâneos do século XXI também.

Mas então Gonçalo nos lembra: "A vida é de facto perigosa para os seus portadores; está demasiado encostada a algo que não dominamos, uma energia feroz sem nome".

É então, nesse ponto, que tomamos a decisão mais importante: seguir fugindo, buscando um paraíso distante e irreal, esperando alcançar através do sentido algo que está fora da lógica, ou nos render ao fato de estarmos vivos, aceitando todos os imprevistos, todas as intempéries - e, também todas as alegrias - que a vida nos oferece?

Eu terminei a leitura com a sensação de que não há escolha nesse ponto, ou há, mas a escolhe é outra: viver, ou pensar. Preocupamo-nos muito com o que é a vida, com a busca da felicidade, com grandes acontecimentos importantes, e acabamos paralisados de tanto pensar, não percebendo que a cada dia a vida passa, e somos nós que não damos peso ao que nos acontece.

Através de Bloom, Gonçalo traça genial e minuciosamente o itinerário que nós, maníacos e melancólicos "pós-modernos" vivemos. E tudo isso com uma escrita ao mesmo tempo crua, irônica, leve e acolhedora. Como esses quatro adjetivos podem representar uma mesma escrita? Só lendo Gonçalo para sentir.

Carina Destempero
Rio de Janeiro, 19/5/2014

 

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