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Quarta-feira, 21/5/2014 O Subjuntivo Subiu no Telhado Marilia Mota Silva Em conversas ou em textos online esbarro, a toda hora, com frases como essas: "Ainda que muitas vezes a gente pode ter um certo receio de parecer..." "Se eles proporem." "Se ela manter a palavra." "Ela quer que eu finjo que não sei." "Quer que eu compro os ingressos?" Parece que o subjuntivo - presente e futuro especialmente - está com os dias contados. O que há de errado com formas como possa, propuser, mantiver, opuser, queira? Nada é permanente, sabemos disso, e a língua, sendo berço e história, é também movimento, criação coletiva. Seus elementos sonoros, morfológicos, sintáticos e semânticos se transformam com o tempo, e, quase sempre, isso é bem-vindo. Por exemplo, antes não se podia começar frase com pronome oblíquo. "Me diz o que acha, se isso é possível!" Não podia. Agora é bem aceito. Ou usar tu e você no mesmo texto, como fazemos todos, (menos os gaúchos, se não me engano: "Seu professor não te disse que se você apresentasse o projeto a tempo, ele te aprovaria?" Não podia. Hoje ninguém critica. A mesóclise e alguns tipos de ênclise também caíram no ostracismo, desde que o modernismo decretou seu fim, embora ainda as víssemos por aí, com certa frequência, em textos mais formais e acadêmicos. Hoje é muito raro. Ninguém ousa escrever "fá-lo-ia", nem mesmo um "dar-lhe-ei", mais simplesinho, ainda que a repetição do ela ou ele pesem na sentença. "Dir-lhe-ia", "fa-lo-ei"... realmente, ficavam bem em Machado ou Visconde de Taunay. "Fi-lo porque qui-lo", dito famoso atribuído a Jânio, que virou piada; o dito, não o Jânio**, hoje, só de brincadeira. São mudanças bem aceitas, que fluem naturalmente. Mesmo porque pompa e circunstância não combinam com nosso jeito. É verdade que há abominações também, como essa construção: "Vamos estar enviando, eles estarão premiando", que se alastrou entre nós como praga insidiosa. Deixo isso de lado, rezando para que desapareça, sem deixar rastro. Nem vale a pena mencionar. Já o subjuntivo é outra história. Precisamos dele. Talvez seja uma forma elegante, e daí esse ataque, mas elegância não tem nada a ver com elite, especialmente no sentido que lhe damos. O subjuntivo é a forma linguística que nos abre para o possível, o duvidoso, o que nos faz propriamente humanos, e isso importa. Sem ele, nossa língua se empobrece; perdemos todos. - - - - - - Notas: * Para quem não sabe, aqui está a origem da expressão "o gato subiu no telhado": "Um casal, de férias, ligou pra casa para saber se estava tudo em ordem, e a empregada respondeu. - Está tudo bem, mas o gato morreu! O casal ficou em choque. Adoravam aquela gata, ela estava com eles desde filhotinho. Era a alegria da casa! Dias depois, já recuperada, a mulher ligou de novo e recomendou à empregada: "Por favor, nunca mais me dê uma notícia triste daquele jeito, sem preparação, sem nada. O Joaquim (marido) quase teve um enfarte"! "Como é que eu ia fazer?", a empregada perguntou, afrontada, "pois se o gato morreu!!!" "Você poderia começar dizendo: "A gatinha subiu no telhado. Depois você diria que ela se desequilibrou. Depois, que caiu do telhado e acabou não resistindo à queda", explicou a mulher, com paciência. "Compreendeu como se faz?" A empregada disse que sim. A mulher avisou que logo estariam de volta e já ia desligar, quando a empregada disse, sem ser perguntada: " Aqui está tudo bem, sim senhora. Mas sua mãe subiu no telhado." --------- ** Jânio Quadros foi Presidente do Brasil, eleição espetacular, votação maciça, governou uns sete meses, renunciou, veio a ditadura militar, enfim, uma longa história; só olhar a wikipedia). --------- *** Justificando as notas * e **: Quando se vai ficando mais velha, percebe-se que é necessário explicar nossas referências. Jânio e a piada são desconhecidos da maioria dos jovens. Marilia Mota Silva |
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