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Domingo, 25/3/2001
Shadow of the Vampire
Daniela Sandler

"O filme de terror mais realista já feito até então." A frase se refere a Nosferatu (1922), do diretor alemão Friedrich Murnau e baseado no romance Drácula, do inglês Bram Stoker. Bem podia remeter a Shadow of the Vampire (A sombra do vampiro, E. Elias Merhige, 2000), a reconstituição da filmagem de Nosferatu em que a sentença é proferida.

O toque de mestre do filme, que concorre a dois Oscar (ator coadjuvante, para Willem Dafoe, e maquiagem), é caracterizar Max Schreck, ator que se tornou mítico por sua interpretação do vampiro em Nosferatu, como um vampiro de verdade. Parece simples, quase infantil - mas o filme desenvolve a premissa com incrível complexidade.

Shadow of the Vampire multiplica ao infinito o "filme dentro do filme" - recurso conhecido como mise-en-abime, em que uma imagem é refletida ou contida por si mesma indefinidamente. Por exemplo, quando uma televisão mostra em sua tela uma idêntica televisão que mostra em sua tela uma idêntica televisão que mostra em sua tela uma idêntica televisão…

Assim, em Shadow of the Vampire, Max Schreck não é um ator que interpreta um vampiro - mas, nas palavras do Murnau fictício, um vampiro que interpreta um ator interpretando um vampiro. O filme revê não apenas a produção de Nosferatu, mas reflete sobre a história e a produção do próprio cinema.

Na cena inicial, vemos Murnau (John Malkovich) dirigindo a atriz principal, que, em Nosferatu, é objeto da obsessão do Conde Orlok, o vampiro. A atriz reclama dos sacrifícios que tem de fazer para atuar com Murnau. A tela enquadra uma câmera - a lente negra e opaca da filmadora com a qual Murnau registrava a cena. "Pense no que estou lhe dando em troca, Greta", diz Murnau. "A imortalidade." A gravação em celulóide, para a posteridade, vai durar mais que a vida dos atores, vai amplificar suas imagens para além do tamanho limitado e da presença física de seus corpos.

Obviamente, a imortalidade é também a promessa do vampiro. O sacrifício da "encarnação" humana, da luz do dia, do reflexo no espelho, em troca da existência eterna, mas fantasmática.

O filme brinca com estereótipos do "mundo do cinema". A atriz principal é bela, glamourosa e viciada em morfina. O diretor, além de drogado, passa as noites em cabarés. Nesse clima de vidas desregradas, em que se troca o dia pela noite e os comportamentos excêntricos são tolerados em nome do talento, as esquisitices do vampiro não destoam. O fato de Schreck aparecer à equipe de filmagem somente fantasiado de vampiro, e exigir ser chamado de Conde Orlok, é visto como um "peculiar método de interpretação" de admiráveis resultados. Quando o vampiro/ator/vampiro morde e chupa o sangue de um pássaro na frente do produtor e do roteirista, que estão bêbados, o ato é recebido com risadas e deleite.

Mas, se a fantasia do filme é sedutora, seu realismo é trágico. O vampiro começa a matar os integrantes da equipe. Para filmar sua obra-prima, Murnau vende a alma. As cenas de terror que capta são verossímeis porque são reais: o pavor nos olhos dos atores, a mordida do vampiro, a morte em frente à câmera. Dificil não pensar nos legendários "snuff films", em que atores são estuprados e assassinados no set de filmagem para produzir fitas hiper-realistas vendidas no mercado negro. Shadow of the Vampire coloca todos nós, espectadores de fitas "inocentes", na posição do voyeur sádico...

A ilusão de realidade da câmera distingue o cinema do teatro - neste, convenção e artificialismo fazem parte do "contrato" entre platéia e artistas. O cinema dilui a fronteira entre arte e vida real, não só por causa do naturalismo da imagem filmada, mas também por dar aparência real a fantasias.

E não é isso que Shadow of the Vampire faz, apresentando Max Schreck como um vampiro de verdade? Mas o faz cinicamente, já que nós, espectadores do século 21, sabemos "muito bem" que vampiros não existem.

Mas esse não é o caminho do filme. Sua conclusão é uma pergunta angustiada: o que é preciso para filmar uma obra-prima? De quem é o mérito? Schreck seria um ator talentoso, ou todo o poder de sua interpretação viria do fato de ele ser um vampiro? Murnau seria um diretor genial, ou todo o seu gênio estaria em ter encontrado um vampiro de verdade e ter tido a coragem (ou a loucura) de filmá-lo?

Quem parece fazer todo o trabalho é a câmera - o desencarnado olho negro e opaco, desumano, capaz de capturar o "real" à sua frente, capaz de captar até mesmo a imagem do vampiro (que não aparece em espelhos).

Mas, de novo, como no mise-en-abime, essa não é a conclusão final. Afinal, Shadow of the Vampire - o filme - é uma obra cuidadosamente composta, em que as marcas da criação, do talento e do trabalho do diretor, do roteirista e dos atores estão em todo lugar: as interpretações brilhantes de Dafoe e de Malkovich, a inteligência do roteiro, a sutileza e precisão das imagens.

Nao é apenas a Nosferatu que Shadow of the Vampire se refere - em que pese a rica história do filme, refilmado com o mesmo título por Werner Herzog em 1978 (com um ator igualmente mítico, Klaus Kinski). A sombra do vampiro está em todos os filmes, em todo o cinema. A imagem projetada na tela consiste na luz atravessando o celulóide: a luz projetando as sombras da película. (Não seria o teatro de sombras um ancestral do cinema?) Acendam-se as luzes e, como o vampiro exposto à luz do sol, a imagem se desfaz, desaparece. Quem assistir a Shadow of the Vampire entenderá...

Daniela Sandler
Rochester, 25/3/2001

 

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