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Sexta-feira, 27/6/2014 Leblon Marta Barcellos Moro no Leblon - mas, por favor, não tire conclusões apressadas. Estava eu pensando em escrever uma inocente crônica de bairro, das quais um cronista precisa lançar mão vez por outra, quando me dei conta da encrenca. O Brasil inteiro conhece o Leblon - das novelas, das canções da MPB, do noticiário em que a referência "morador do Leblon" raramente quer dizer apenas que o sujeito tem residência fixa em determinado bairro do Rio de Janeiro. Se "morador do Leblon" em perfil de artista pode até despertar a simpatia do leitor, o mesmo não se pode dizer do comentário do "morador do Leblon" na reportagem sobre o rolezinho no shopping. A intimidade é nacional, mas são os cariocas que não moram no Leblon (sim, tenho noção de que são a esmagadora maioria) aqueles que mais acreditam conhecer o bairro e, especialmente, seus moradores. "Diga-me onde moras e te direi quem és" parece ser a regra na cidade onde os espaços sempre estiveram divididos entre aristocracia e povão desde os tempos da Corte, apesar da propalada convivência nas praias (há controvérsias). . Se me perguntarem sobre o estigma que existe no Rio em torno do morador da Barra da Tijuca, saberei dar alguns palpites (algo sobre abrigar novos-ricos). Mas, no caso do Leblon, falta-me distanciamento para uma análise. Morei no Leblon quando era criança e adolescente (o "Leblon" da época era Ipanema) e voltei há pouco mais de uma década, antes das novelas do Manoel Carlos e depois de um pé-de-meia em São Paulo (penso que o "Leblon" de lá eram os Jardins ou a Vila Nova Conceição). . O fato é que, ultimamente, ando impelida a me explicar quando, acidentalmente, menciono morar no Leblon. Olha, eu moro lá, mas desde pequena, no tempo que o bairro não valia nada (mentira). Olha, eu moro lá, mas sou a favor das cotas e não odeio o Lula (verdade). Já pensei em trocar a postura defensiva e partir para o ataque: defender o morador do Leblon e acusar a generalização. Mas logo percebi que se tratava de tarefa ingrata. Bastou uma reunião informal dos moradores da rua sobre os transtornos causados pelas obras do metrô para uma leblonense, pronta para ser personagem indignada de uma reportagem contra os rolezinhos (ou cotas, ou bolsa-família), se apresentar como "gente de bem" que "paga um dos maiores IPTUs do país e tem os seus direitos". No entanto, morar no centro dos holofotes tem suas vantagens: é possível chamar a atenção para os interesses políticos e principalmente privados (que estão por trás dos políticos) que passaram a dominar nas grandes cidades. Primeiro, o Leblon foi uma espécie de vítima de um projeto-gambiarra de metrô, uma extensão de linha que não atende às necessidades da população, apenas à especulação imobiliária na Barra da Tijuca (onde a ocupação tem ares de vale-tudo). No início, fiquei feliz com a notícia do metrô perto de casa, mas depois percebi que meu benefício pessoal se daria à custa da falta de um projeto efetivo de mobilidade urbana. Como notícia no Leblon sempre ganha destaque localmente (ao contrário de São Paulo, os cariocas dão muita importância ao noticiário da cidade), um novo assunto do bairro começou a repercutir nos últimos dias: a ameaça de fechamento de um dos cinemas de rua mais antigos da cidade. Bastou a rede de cinemas colocar um cartaz na porta avisando/ameaçando o fechamento "em breve", por ser uma operação deficitária, para o bafafá começar. . E era sobre essa história - o fechamento do Cine Leblon - que eu pretendia escrever, antes de lembrar o quanto isso poderia parecer, digamos, elitista, pelo simples fato de se referir ao Leblon. . Reza a lenda que o Rio é o berço da crônica justamente pelo olhar generoso e enternecido que seus lendários cronistas reservavam às ruas por onde flanavam. Apesar de se tratar aqui do bairro-elite, com toda a carga negativa da imagem de nossa elite, é dessa maneira "cronista" que me sinto quando saio perambulando (flanar é para afrancesados) e observando as transformações no bairro. Não penso no IPTU alto nem nos meus direitos, juro. . Adoro o Leblon pelos prosaicos motivos que levam as pessoas a adorar os espaços urbanos onde moram: o burburinho familiar, o comércio das pequenas compras, as pessoas deslocadas e as que se deslocam, os aromas e sabores escondidos e que você acredita serem só seus. Nesta lista, claro, está o Cine Leblon, já que vou ao cinema toda sexta-feira, como algumas pessoas vão à missa aos domingos. . Apesar da programação mais dedicada a blockbusters - únicos capazes de preencher as duas salas de exibição, grandes para os padrões atuais -, o Cine Leblon merece ser preservado. Em estilo art déco, a construção de 1951 é tombada, e por isso não corre o risco de virar um espigão. A não se que se abra uma exceção. E, prontamente, junto com a repercussão do anúncio, surgiu um projeto para viabilizar a "rentabilidade" do cinema, já rejeitado pelos órgãos públicos, propondo uma exceção à lei que manteria o cinema, na parte de baixo, para fazer subir um pequeno prédio de escritórios em cima. Nada contra. Nem a favor. Só espero que dessa vez a negociação entre interesses privados e públicos seja pra valer. O que me fez desconfiar disso tudo? Primeiro, virou regra, nas negociações de reajustes dos aluguéis exorbitantes do Leblon, uma notinha plantada no jornal avisar que determinado estabelecimento comercial, querido dos moradores, vai fechar. Nem todos fecham. Segundo, um detalhe que me chamou a atenção no projeto da rede de cinemas para viabilizar seu projeto imobiliário: o apelo de transformar o local em um novo "centro cultural" - só porque, além dos cinemas e escritórios, está prevista uma livraria. . O Shopping Leblon, vale lembrar, só foi erguido sobre uma formação rochosa preservada, destruindo também o teatro Casa Grande, depois que prometeu incluir no projeto um "centro cultural". Que nunca saiu do papel. E do Casa Grande, que pertencia à rede pública de teatros e foi palco de encenações históricas contra a ditadura, só restou o nome. Anexo ao shopping, ele agora é dedicado a musicais, com certeza rentáveis. Marta Barcellos |
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