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Sexta-feira, 18/7/2014 Fake na art e a pet humana Gian Danton No mundo de hoje, as separações entre as coisas vão cada vez mais se esvaziando. A arte se mistura com a vida, a diversão com a informação, a realidade com a informação. Assim, torna-se cada dia mais difícil distinguir o falso (fake) do real, até porque, o que é falso hoje pode ser nada mais do que a antecipação de um acontecimento futuro, em especial quando se trata do desenvolvimento da ciência. Sintoma desse estado das coisas são os diversos perfis fakes (estima-se que 27% dos perfis das redes sociais sejam fakes) e os hoaxes, notícias falsas que se espalham pela internet. Os artistas reagem a essa realidade gerando trabalhos questionadores, críticos, que colocam em cheque tanto a nossa noção de realidade quanto a forma como as mensagens têm sido transmitidas e retransmitidas, sem nenhum filtro crítico. Tais trabalhos questionam a credibilidade e a abundância de informações no ciberespaço, levantando questões morais e éticas. Exemplo disso é a obra do escutor iuguslavo Darko Maver. Sua obra, conhecida em outros países a partir do final dos anos 1990, denunciava a tortura exercida pelo regime comunista, com corpos mutilados e fetos mal-formados. O regime havia destruído a maior parte de suas esculturas e sobrara apenas fotos delas, disponibilizadas através da rede. Sua obra era tão subversiva que Maver foi preso e condenado à morte por "antipatriotismo". Sua morte provocou uma forte reação no mundo artístico. Ele chegou a ser homenageado na 48ª Bienal de Veneza. Pouco depois do evento, veio a revelação: a história era falsa, criada pelos integrantes do grupo 0100101110101101.ORG - codinome de Eva e Franco Mattes. Todos os documentos e imagens haviam sido forjados. Outro exemplo: em 1999, o artista Alexei Shulgin criou um site falso que ofertava drives genitais capazes de proporcionar relações sexuais a distância. O site tinha abas para pedidos, perguntas mais frequentes e especificações técnicas. Segundo o artista e pesquisador Fábio Nunes (também conhecido como Fábio Fon), "É exatamente esse ato de assumir características de um equivalente não-artístico - sites de comércio eletrônico - que dá verossimilhança à proposta, tornando possível acreditar que tais dispositivos realmente estivessem à venda". Outro exemplo é concurso falso de web arte criado pela ciberfeminista Cornelia Sollfrank em 1997. Todos os participantes eram perfis fakes com perfis e obras criadas pelo computador através de uma algorítimo. Embora dois terços dos inscritos fossem mulheres, os três primeiros ganhadores eram homens. A obra, denominada Female Extension, discute o machismo em concurso artísticos. Fábio Fon diz que essas obras são exemplos de fake na arte. Segundo ele, ao atuar no mundo do improvável e "tomar de assalto uma audiência crédula e questionar diretamente nosso poder individual de discernir entre o 'verdadeiro' e o 'falso', estas ações podem ser muito mais eficazes quando se trata de aproximar uma discussão crítica". O tema é tão relevante que já existe até mesmo um museu, na Alemanha, dedicado apenas à fake art. A maioria de seu acervo é de falsificações de quadros, mas há também o Diário de Hitler, realizado por Konrad Kujau. Eu também me aventurei pelo campo da fake art. Com parte da disciplina Arte e Tecnologia do doutorado em Arte e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG), eu e o artista José Loures criamos uma história falsa baseada no universo pós-humano criado por Edgar Franco. Franco, no álbum Biocyberdrama propõe um mundo em que três grupos: humanos resistentes, tecnogenéticos e extropianos. Os tecnogenéticos são fruto da hibridação entre humanos, animais e vegetais, permitidos pelo avanço da engenharia genética. Os extropianos são pessoas que transmitiram sua consciência para corpos robóticos, vivendo, assim, eternamente. Os resistentes são pessoas que resistem às mudanças extropianas e tecnogenéticas. Reproduzem-se sexualmente e imitam o modo de vida dos antepassados. O objetivo da obra Pet humana era discutir os conceitos de pós-humanidade, identidade em redes sociais e a não distinção entre realidade e ficção. O primeiro passo foi a produção de um texto jornalístico sobre uma clínica chinesa que estaria se preparando para criar uma pet humana, uma criatura híbrida entre humanos e animais e sobre sua primeira paciente, uma estudante brasileira. O texto foi disponibilizado no blog Ideias de Jeca-tatu e nos perfis dos dois autores, José Loures e Gian Danton, no Facebook. A postagem de maior impacto foi no perfil de José Loures. Entre os comentários, muitas pessoas mostrando que acreditaram na história, ou espantadas. Houve inclusive referências ao romance A ilha do Dr. Moureau, de H. G. Wells, que, embora escrito no século XIX, antecipou a discussão sobre a pós-humanidade. Curiosamente, poucas pessoas contestaram a informação ou pediram a fonte. A maioria preferiu acreditar que se tratava de um fato real. Alguns dos comentários: "Esse marido dela curte uma zoofilia básica", "Bizarro! Só me veio a cabeça os animes", "Que viagem, cara! Sei lá, eu não sei o que dizer sobre isso. cada um faz o que quer, todos são livres para fazer o que bem entender". Também foi criado o perfil pessoal de Patrícia Swzens(https://www.facebook.com/profile.php?id=100008334073994), que chegou a receber felicitações pela passagem do aniversário. O passo seguinte foi a elaboração de um e-mail, como relato pessoal, enviado para vários sites e podcasts. O podcast Omelete Nights em sua edição de número 26 (de 24 de junho de 2014), apesar de uma desconfiança inicial, tratou do caso como real, perguntando-se como seria de fato a história (o e-mail propositalmente deixava em abertas várias questões). Patrícia foi chamada de "Tranimal - Travesti animal" e chegou a ser convidada, de forma divertida, para ser atração do Comic Con. "Eu estou achando que isso aqui é mentira, mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim quer acreditar que isso é verdade, porque é tão absurdo que pode ser verdade", disse a radialista Dane Taranha. O usuário RavendhiRavendhi comentou o seguinte: "Gente, se a Patricia enviar as fotos do resultado dessa cirurgia tranimal, por favor postem!!!!". Ou seja: ficou muito claro que havia uma forte curiosidade sobre o assunto. No dia 23 de junho o projeto entrou em sua terceira fase. Foi criada uma página no Facebook com o objetivo de contar a história de Patrícia na forma de quadrinhos. O texto da página informava que se tratava de uma história em quadrinhos desenhada por José Loures, e história via entrevista com Patrícia Swzen, realizada por Gian Danton. A história em quadrinhos foi publicada do dia 23 ao dia 29 de junho. No dia 30 a história foi revelada na página e no pefil de Patrícia Swzen. Mesmo assim, a página continuou tendo curtidas, assim como o perfil, que continuou recebendo pedidos de amizade. Ao fechar este texto, a página já tinha 283 curtidas e o perfil tinha 296 amigos. Pet humana foi, provavelmente, um dos primeiros trabalhos de fake art brasileiros e certamente o primeiro usando o Facebook. Se por um lado a obra chama atenção para a aceitação acrítica de informações na web, abre caminho para uma discussão sobre os desdobramentos da pós-humanidade, já que a maioria das pessoas, embora ficasse horrorizada, aceitava que tal fato pudesse existir. Ou seja: as pessoas já aceitam que o corpo humano é moldável e, talvez, ultrapassado. Gian Danton |
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