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Terça-feira, 12/8/2014
Miguel de Unamuno e Portugal
Celso A. Uequed Pitol

Creio que os amantes da obra de Miguel de Unamuno - e eu sou um deles - concordarão que Por tierras de Portugal y España é, dentre seus muitos títulos, um dos que mais gosto temos em retornar. Trata-se de um livro de relatos de viagem, tão comuns na época de Unamuno, quando elas eram raras e relatos de escritores eram uma oportunidade para as gentes do mundo conhecerem outras terras, outros povos, outras culturas, outros personagens, através do olhar particular do grande escritor. E eu, assim como muitos outros, conheci muito de Espanha a partir daquela leitura de Unamuno. Conheci Salamanca e Madrid, Galiza e Astúrias, o País Vasco (nunca deixei de escrever "vasco" depois de ler Unamuno) e a Catalunha. Conheci as aldeias, as gentes, os lugares, os pensadores, os personagens. E conheci não só Espanha como também uma paixão de Unamuno que, tendo em vista a sua época e lugar, pode ser qualificada como quase excêntrica: o seu pequeno vizinho, Portugal.

Quem conhece algo de Espanha sabe bem o lugar que a soberbia castelhana reserva aos portugueses. O espanhol médio pouco dá pela existência de Portugal e quando dá reserva uma atitude francamente irritante para os lusitanos, muito semelhante à que seus vizinhos ao norte, os franceses, reservam para eles. E a Espanha do tempo de Unamuno, prenhe de dificuldades, de hesitações e de discussão sobre seu próprio futuro, pouco espaço tinha para prestar atenção seu pequeno vizinho. Havia e, em grande parte, ainda há uma barreira intelectual entre os dois países, que poucos espanhóis e portugueses foram capazes de transpor e de enxergar, por trás das velhas rivalidades e das evidentes diferentes, uma unidade superior de cultura, civilização e destino. Don Miguel de Unamuno, cuja biblioteca contava nada menos do que três centenas de livros portugueses e admirava profundamente Antero de Quental, Camões e Teixeira de Pascoaes, foi um deles. Sua viagem por terras de Portugal e Espanha foi uma verdadeira travessia intelectual e espiritual, muito maior do que a distância dos rios que separam os países pode fazer supor.

O próprio Unamuno parecia se impressionar com o seu interesse. "¿Qué tendrá este Portugal - pienso - para así atraerme? ¿Qué tendrá esta tierra, por de fuera riente y blanda, por dentro atormentada y trágica? Yo no sé: pero cuanto más voy a él, más deseo volver". A atração de Unamuno baseava-se na convicção de que Portugal e Espanha, por trás de todas as contradições que guardavam, estavam sustentados numa unidade superior, a Ibéria, que, de maneira aparentemente paradoxal, por ser unidade não deixava de suportar a diferença interna: "Porque no hay", dizia ele, "unidad viva si no encierra contraposiciones íntimas, luchas intestinas". Assim, incitou os seus conterrâneos a deixar a soberbia tradicional com a qual tratavam o vizinho pequenino e lessem seus autores e aprendessem seu idioma. "El esfuerzo para ello necesario", disse ele, "es pequeñísimo y se lo debemos a nuestra común madre Iberia o Hispania". E a aqueles que pensam as coisas em termos de interesse e desinteresse, deixou um recado: "Portugal me interesa mucho porque me interesa España".


Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 12/8/2014

 

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