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Quarta-feira, 3/9/2014
Marcador de página inteligente
Wellington Machado

Seria o fim das leituras interrompidas? Na era dos gadgets, acabo de ler uma notícia sobre a invenção de um marcador de páginas inteligente. Trata-se do Tweet for a read. O aparelhinho envia um tweet ao leitor quando um livro começa a empoeirar na estante, sem que a leitura seja concluída. A cada semana o leitor poderá se surpreender com um puxão de orelhas de Machado de Assis, Dostoiévski ou Clarice Lispector, implorando por um novo reencontro literário. Antes mesmo de ser colocado à venda, tem sido grande a procura pelo marcador.

É surpreendente que, em tempos de internet, redes sociais, tablets e celulares, um aparelhinho companheiro dos livros tenha uma procura considerável. Particularmente, temo pelo fim dos livros, pois fui criado em meio a eles e não pretendo num futuro próximo comprar um e-Reader. Volta e meia me deparo com teorias apocalípticas sobre o fim dos livros em papel. Por outro lado, há pesquisas apontando um considerável crescimento no número de publicações. A situação me soa um tanto paradoxal. Vejo muito mais pessoas manipulando celulares e tablets do que livros. Onde e quando os consumidores de livros em papel estão lendo?

Os grandes vilões dos livros "físicos" parecem ser as redes sociais e a própria internet, com suas possibilidades infinitas de navegação. Há várias pesquisas comprovando a "perda" de tempo em bate-papos nas redes sociais. Mas o outro paradoxo é que a nova invenção usa uma rede social para alertar o leitor. Seria como se o livro clamasse por socorro num mar de possibilidades de entretenimento que nos rodeia.

Quais seriam, então, os livros mais abandonados cuja utilidade do aparelhinho fosse comprovada? Posso arriscar alguns. O nome da rosa, de Umberto Eco, certamente seria um deles. Vários leitores já me confessaram a desistência nas primeiras cinquenta páginas. Em busca do tempo perdido, do Proust, é bom de páreo não pela complexidade da obra em si (ainda que fosse uma razão para alguns), mas pela longa escalada. Tenho minhas dúvidas quanto ao abandono do Ulisses, de Joyce, pelo fato de o livro carregar a estigma de causar arrepios no leitor antes mesmo de ser aberto. Posso apostar em alguns autores, diria, "abandonáveis", como Virgínia Woolf, Thomas Mann, Conrad, Faulkner e Thomas Pynchon.

Mas acho que o marcador de páginas inteligente pode ter sua utilidade. Muitos dos meus marcadores tradicionais - aqueles promocionais, geralmente distribuídos em livrarias - estão perdidos no meio dos livros em minha estante. O pior é quando retiro um livro e vejo que há um marcador destes na metade. Dá uma sensação de desânimo e descrença na minha combalida memória, quando não lembro bulhufas do que foi lido até aquele ponto.

Em tom confessional, posso citar alguns escritores que me puxariam a orelha. Euclides da Cunha ia me tuitar toda semana pra voltar a Os sertões, abandonado umas quatro vezes. (Mas estou encarando o livro neste momento; agora vai!). David Foster Wallace me chamaria de volta ao Breves entrevistas com homens hediondos. Virgínia Woolf me jogaria no colo o Orlando, abandonado nas primeiras páginas. Posso imaginar o Nietzsche bradando por uma volta imediata ao Além do bem e do mal. É claro que não há demérito algum nessas obras. Muitos dos abandonos foram em virtude de uma leitura mais urgente naquele momento. Certamente voltarei a elas. Mas talvez eu tivesse de arrancar à força os marcadores de página de alguns livros de Hegel, Wittgenstein e Heidegger.

Wellington Machado
Belo Horizonte, 3/9/2014

 

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