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Segunda-feira, 22/9/2014 Quando morre uma paixão Adriane Pasa Quando morre uma paixão morre a taquicardia. Morrem os batimentos cardíacos acima de cem por minuto. Morre a sensação de ser assaltado de repente por uma série de pensamentos idiotas. Morre uma coisa que fazia a ligação entre o real e o imaginário. Morre a saudade. E depois morre a saudade da saudade. Morre o mito da perfeição. E vem a feiura. Morre o teto da Capela Sistina. Morre a Vênus de Milo. Morre o ideal. Morre aquilo que faz a gente brigar com todos os nossos piores defeitos para se adaptar a algo que amamos. Morre a pompa. Morre a sabedoria. Vem uma sensação de estar indo para o nada. A gente fica meio falso, duvidoso, frágil, mas crente que sabe tudo e mais um pouco. Crente que saiu de uma experiência de vida sem precedentes e que não podia ser melhor. A gente se sente forte e novo. Batimento cardíaco normal. Os pés no asfalto. Pescoço ereto como uma gárgula olhando a cidade de cima da catedral, dona de si, achando que assusta alguém. Mas quando morre uma paixão, a gente não passa de um personagem perdido. Não como um Humbert de Nabokov, que mesmo diante de sua Lolita decadente, busca na memória a risada viva de uma garota que ainda ama. Mas como um andarilho sem destino. Sem obsessão. No lugar da taquicardia vem a calma e o equilíbrio de um corpo sadio. E uma mente limpa. Mas não asséptica. Sempre haverá uma sujeirinha, um vírus, uma bactéria escondida. A gente acaba ficando atento às coisas mais delicadas, que ninguém repara, pra ver se encontra alguma coisa dentro delas. Algo que traga de volta aquela pessoa tolerante e louca, aérea e fantasiosa que a gente era quando a paixão ainda estava viva. O interesse pelos problemas do outro, que um dia amamos, fica pequeno e faz a gente pensar que não somos assim pessoas tão boas, mas pelo menos somos sãs, porque a loucura, apesar de atraente, também machuca. Somos todos inseguros e cheios de confusões no campo amoroso e sexual, ao mesmo tempo em que queremos levar nossas vidas e projetos adiante. Como no filme A Dangerous Method (O Método Perigoso, 2011), de David Cronenberg, que mostra um episódio importante na vida do jovem psicólogo Carl Jung (Michael Fassbender) quando do início de um tratamento inovador da histérica Sabina Spielrein (Keira Knigthley), sob influência de seu mestre e colega, Sigmund Freud (Viggo Mortensen). Esse episódio viria a definir os rumos da psicanálise e também mexer nas bases da vida "certinha" do genial Jung, que tinha uma vida abastada com sua rica esposa. O nome do filme refere-se a um artigo de Freud intitulado "Observações Sobre o Amor Transferencial", publicado em 1915. No texto, o psicanalista fala sobre a delicada questão do envolvimento amoroso entre analistas e pacientes, fazendo uma provocação direta a Jung, devido a sua relação com Sabina. Este seria o "método perigoso", segundo Freud. Jung e Freud começam um debate de teorias ao mesmo tempo em que Jung vive um romance intenso com Sabina. Uma paixão daquelas que fazem a gente sentir interesse por tudo o que existe na pessoa, que faz a gente entender o lado mais louco e sombrio que possa existir nela, porque queremos mergulhar nisso, nesse jogo de dominação e submissão que certos amores proporcionam, causando um tipo de cumplicidade profunda e aparentemente indestrutível. O que me fez lembrar também de um filme chamado Secretária (2002), de Steven Shainberg, com os excelentes James Spader e Maggie Gyllenhaal como protagonistas de uma relação nada convencional, com comportamentos sadomasoquistas. No fundo, paixão é e sempre foi cumplicidade. Em A Dangerous Method, Keira Knigthley está fantástica no papel, pois além de conseguir demonstrar fisicamente os sintomas de seu transtorno mental, mistura-os com sensualidade à grande paixão por Jung, que precisa de um jeito ou outro, acabar. Não precisa ser um psicanalista famoso para querer entrar na mente do objeto da nossa paixão porque é uma condição dominante. Isso, misturado aos nossos conflitos interiores, pode ser uma bomba. Acho que Jung tinha um problema ainda maior, porque eram duas obsessões em uma: a mulher amada dentro do objeto de seu importante estudo. Mas como na vida de gente comum, um dia, tudo morre. E quando morre a paixão morre também o espaço entre a razão e a loucura. Morre o gênio. Morre a paixão pela insanidade do outro. Morre a linha torta, morre o branco da folha e o caderno pautado aparece de novo, junto com a escuta atenta e o olhar para os detalhes do cotidiano que havia sido abandonado. E depois de um tempinho tentando se adaptar a isso tudo, como um jogador de futebol que acaba de entrar em campo, ou um escritor que acaba de sair de uma sessão de autógrafos, a gente volta pra nossa vidinha ordinária. Que passa a ser um museu que não tarda a nos mostrar novas obras de arte. Em uma das mais belas cenas do filme A Dangerous Method, Jung diz para Sabina: "(...) o meu amor por você me fez entender quem eu sou". Acho que é isso que uma paixão faz de melhor, não importa o quanto ela dure. Adriane Pasa |
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