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Sexta-feira, 20/3/2015 Reunião de pais, ops, de mães Ana Elisa Ribeiro Um dia, você resolve ter um intercurso sexual que, querendo ou sem querer, gera um embriãozinho, que vira zigotinho e se desenvolve, vira um feto, vira um bebê e nasce. Mas isso não é assim tão fácil quanto o texto faz parecer. Principalmente para a mãe, dá um trabalho razoável. Pois bem. Você tem o maior trabalhão pra parir o guri. Muitas vezes, ao lado de um nego que não tá nem assim tão envolvido. Mas, como dizia um otimista amigo meu, há muitos anos, referindo-se às crianças: "esse bicho tende a dar certo sozinho". Tudo bem. Aí o bebê precisa ser amamentado, não entende nada do mundo, precisa se adaptar aos horários, ao dia, à noite, à vida, aos sólidos, aos pais, etc. E isso nem é assim tão fácil. E a mãe, geralmente, fica lá, abduzida. Muitas vezes - reparem que não generalizei totalmente -, sem uma boa e dedicada companhia pra cumprir a empreitada juntos. OK. Isso é assim desde que o mundo é mundo. Daí, um dia, você precisa por o piá em uma escola. Pensa, escolhe, vê uma série de quesitos - proximidade de casa ou do trabalho, preço, projeto pedagógico (que você finge que entende e finge que sabe que repercussão terá na vida do seu rebento), nível de caretice, etc. Lá vai. Aquele primeiro dia de aula clássico. Blablá. E aí você entra numa comunidade que faz um negócio chamado "reunião de pais". Eu, cá do meu jeito, acho esse evento uma das coisas mais chatas do mundo. Como professora, sempre achei; como mãe continuei achando. Entendo perfeitamente que a escola precise dar satisfação sobre o que fará ao longo do ano, sobre regras, horários, sugestões, projetos, etc. Reiterar o que diz todo ano: não pode chegar atrasado, tem de usar uniforme completo, o banho de sol dura 15 minutos, lanche saudável e as demais orientações do regime semiaberto. Entendo demais. E ponto. Mas tem uma coisa que eu lastimo e uma que eu não entendo: Eu lastimo que 98% dos presentes ali sejam mães. (Que também trabalham, inclusive). São elas que vão à reunião saber sobre a escola, conhecer a professora e questionar a escola, se é que fazem isso de forma interessante. Dois ou três pais aparecem para fazer o mesmo. É como se reunião de escola fosse atividade de segunda. Como se as coisinhas chatinhas fossem para a mulher cumprir. Ou como se a vida escolar dos filhos, em sua face qualitativa, fosse atribuição só da mãe. O pai serve pra pagar o boleto (quando é o caso. Muitas vezes, nem isso). A outra coisa, a que eu não entendo, é por que grande parte das pessoas que comparece à tal reunião força a situação de falar dos próprios filhos o tempo quase todo, roubando o tempo de informação da comunidade. É um pessoal que obriga todos a focalizarem situações e questões particulares, em um encontro coletivo; e pior: às vezes, esforça-se para demonstrar uma caretice absolutamente anacrônica. Entro muda e saio calada. Anoto o que preciso anotar com algumas intenções: questionar meu filho quando ele chegar em casa; ver se ele está ciente das regras; ver se preciso combinar algo com ele, inclusive para driblar a escola, quando sentirmos que é mais inteligente; e repassar informações ao pai dele... Minha amiga Lavínia, excelente professora de Português, depois de participar de uma palestra sobre "a escola do futuro" (sim, porque a escola está sempre prometida...), externava, no Facebook, sua dupla sensação: uma de alegria porque o palestrante bambambam dizia coisas que ela já pensava; outra, contraditória, porque ela tinha a impressão de que todos querem mudanças, revoluções, transformações, mas a escola continua a mesma. Fiquei cá pensando com meus botões e sei lá, entende? Não sei se as pessoas querem tanta transformação assim. Sinto, ali nas conversas de reunião, que muitos pais querem mesmo é os filhos em regime semiaberto (quando não fechado), pra ficarem livres da moçada enquanto eles trabalham (o que é digno e necessário), mas também vão ao shopping, à aula de golf ou ao cabeleireiro. Aí depende, não é? Mas me parece, em grande medida, uma comunidade que vai ali forçada pra saber o que já sabe e exigir mais do mesmo. Conheço professor que tenta inovar, professor que tenta um encontro interessante com tecnologias mais recentes, professor que prepara aulas sensacionais, professor que se dedica, professor com sangue nos olhos e paixão no coração. E esse cara todo, desse jeitinho, não consegue sair da média porque precisa atender os pais, a diretoria, o mercado e sabe lá mais o quê. Há uns tempos, em um belo evento em Natal (RN), tive o prazer do contato com uma professora que desenvolve lá, com unhas e dentes, um projeto de sucesso em uma escola pública. Como é bem nisso que eu acredito, fiquei doida para saber das coisas. E um negócio sério ela me disse: "na nossa escola, os pais são envolvidos". Não acho que haja mudança possível sem a presença respeitosa e interessada dos pais. Estou errada em ter preguiça das reuniões. Estou errada em entrar muda e sair calada. Estou errada em não ter uma postura mais participativa. Sim, estou errada. E todos estamos. Eu não devia querer saber só do meu filho genial. Eu deveria estar comprometida com um projeto mais integral. No entanto, com respeito. Ali trabalham profissionais. Não é lugar pra eu dar pitacos sem noção. Bom, como eu disse um dia: escola é escolarização; educação sou eu quem dou, em casa. Na reunião mais recente, uma mãe interrompeu para dizer que proíbe a filhota, de 11 anos, de falar gírias em casa. Vou fazer o quê? E o que essa figura queria que a escola fizesse? A honorável senhoura afirmou, em tom de palestra, que a gíria é perigosa e que prejudica os textos da pessoa para o resto da vida; e sugeriu que a escola tomasse alguma providência sobre isso. Vamos banir a gíria. E solicitou da escola que tomasse posição e desse um reforço. Eu não me aguentei. Contorci-me na cadeira. Fiz cara de nojo (que foi vista por uma ou duas pessoas). Eu estava bem no fundão, pra não ser notada mesmo, mas vi que a professora percebeu minha reação. E as representantes da escola foram delicadas, desconversaram, falaram sobre o inevitável e tal e coisa. Véi! Eu pirei naquele papo. Eu pirei. E vazei, assim que pude. Saí achando que os pais (e mães) é que precisam de umas discussões mais interessantes sobre, por exemplo, linguagens. Ou sobre qualquer coisa. E pensei na Lavínia, com a escola do futuro. E me lembrei de quando eu adotava livros de boa literatura na escola e vinham os pais me proibir, alegando, por exemplo, que poesia é só quando as palavras são bonitas. Poeta não escreve palavrão nem gíria. E uma teoria sobre tudo que só faz o mundo se encaretar; e uma postura de gente que quer esconder o mundo dos filhos, como se esses meninos e meninas já não tivessem visto as coisas pelo YouTube; e uma eterna cobrança para que a escola seja moderna e dialogal, só que não. #sqn Ana Elisa Ribeiro |
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