|
Sexta-feira, 8/5/2015 Bruxas no banheiro Marta Barcellos Como as segundas-feiras são todas ligeiramente sinistras, eu devia ter deixado pra lá. Mas, não - sempre essa mania de achar explicação pra tudo. Pois não saímos dos tempos das trevas para o das luzes, assassinamos cautelosa e filosoficamente os deuses do passado e agora admitimos com deslumbre os progressos da tecnociência? Ora, uma sonda espacial pousou ainda outro dia sobre um cometa, a 509 milhões de quilômetros da Terra , cientistas estão conseguindo editar genes em cirurgias para remover mutações nocivas à saúde, sem falar na popularização das impressoras em 3D. Não é hora de se render fácil ao misticismo, não é mesmo? Pois é. Mas voltemos às trevas e luzes daquela segunda-feira. O despertador tocou às 6h10 e a penumbra lá fora anunciava o fim incontestável do verão carioca. Finalmente. Cambaleei até a cozinha para preparar o chá (juro que era chá: não estou tentando dar uma atmosfera inglesa aos acontecimentos), mas fui surpreendida pela luz do banheiro de empregada acesa. A área de serviço do meu apartamento é escura dia e noite, portanto aquela luz, do outro lado das roupas penduradas na corda, chamava a atenção. Por que diabos a diarista teria chegado tão cedo? Chamei pelo seu nome, acheguei-me devagar e verifiquei através da porta entreaberta: ninguém. Corri para a porta de entrada, que pelo menos ela estava bem chaveada. Volta e meia, quando chego com sacolas, esqueço aberta... Meu marido não deu bola quando o sacudi querendo uma explicação: ele usara o banheiro de empregada de madrugada? Claro que não. A luz devia estar acesa desde sexta-feira, quando a empregada saiu, ele arriscou, sem abrir os olhos. Não me convenceu. Eu sempre apago as luzes da casa antes de dormir, e teria visto. Um dia, ainda mais dois dias. Fiz uma discreta ronda pelos demais aposentos, mas não flagrei outras anormalidades. Não havia alternativa senão reservar aquela inquietação em um conhecido "aposento" interno: aquele que no futuro - às vezes um futuro até distante - desvenda todas as assombrações. Ainda outro dia o expediente dera certo. Fui surpreendida por um barulho alto e estalado que parecia vir do closet. Algo como uma mala tombando. Mas também não achei nada. Dias mais tarde, distraída, reparei que uma pequena pintura, exibida sobre uma das prateleiras da estante, estava caída para frente. Imediatamente abri o tal departamento interno que investiga assombrações e estava tudo lá: o barulho compatível, o local (exatamente oposto ao closet, onde ele se refletiu) e até a observação de que, naquela noite ainda de verão, eu houvera reposicionado a grade do ar condicionado, jogando o fluxo justamente para aquele lado. Nessas alturas, o caro leitor já deve estar evocando o ditado, mais célebre em espanhol, sobre a prudente descrença relativa quando se trata de bruxarias ("Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay"). Portanto, apesar de manter e defender meu ceticismo, devo confessar: até o exato momento, o caso da luz que acendeu sozinha não foi devidamente esclarecido. O ceticismo, na minha vida, nem chegou a ser uma escolha pessoal: fui empurrada à doutrina ainda na infância. Cercada de irmãos afeitos a explicações sobrenaturais e espíritas, e um pouco mais ligada nas aulas de ciências do que eles, via-me na situação de reagir, sempre que eles apontavam para objetos movendo-se "sozinhos" - ignorando a óbvia corrente de ar no ambiente, por exemplo. Importante lembrar que, embora não fosse a idade das trevas, eram os tempos do Uri Geller (quem se lembra?) e da parapsicologia (que fim levou?). Até a ufologia era levada mais a sério do que hoje em dia. Portanto, para crer em tais fenômenos, não era imprescindível acreditar em fantasmas ou espíritos - havia, sim, algum respaldo de "ciência" quando milhares de pessoas tentavam dobrar um garfo ou mover objetos com a força da mente. Não por acaso, depois de uma tentativa de sessão paranormal como esta, ou de uma conversa sobre discos voadores, o ambiente ficava ainda mais sinistro. Qualquer barulho no vizinho causava arrepios e arregalar de olhos, e bem pouco faltava para que trovoadas fossem consideradas brados divinos. Meu ceticismo, claro, era muito mal recebido nestes grupos, que volta e meia me rogavam uma praga: um dia você também verá (os sinais)! Um dia acontecerá com você! Então fiquei combinada, comigo mesma, desta forma: no dia que acontecesse, acreditaria. Mas tinha que ser pra valer, do tipo contato imediato com o extraterrestre, porque vai ser difícil me satisfazer com luzinhas piscando no céu. Ou com uma luz que se acende sozinha no banheiro... Marta Barcellos |
|
|