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Sexta-feira, 3/7/2015
Isto não é um trote
Marta Barcellos

"Eu te ligo daqui a pouco porque está entrando outra chamada. Alô?" "Oi, Marta, o meu nome é ...". Putz, acho que recusei o pedido de amizade dele ontem no Facebook. "Eu sou o ..." Ai, meu deus, que frescura essa de recusar quem não conheço, sem nem olhar onde trabalha! E, finalmente: "Você foi a vencedora do Prêmio Sesc de Literatura, na categoria contos, e isto não é um trote."

Não era um trote. A que ponto chegamos: boas notícias são tão raras que seu portador precisa fazer a ressalva, em nome da credibilidade. Claro que, a partir daí, tive dificuldades em escutar direito qualquer outro tipo de informação. "Foram... inscritos... recorde de... cerimônia no mês... Academia Brasileira de Letras."

Eu deveria guardar sigilo por alguns dias, até o anúncio oficial. Isto foi repetido e isto eu gravei. Olhei na tela do meu computador e ali estava, iniciada, a próxima coluna mensal do Digestivo. O tema: concursos literários. Juro, isto não é um trote. Digo, não é uma licença de cronista. A ideia era falar da tradição dos concursos sob pseudônimos para revelar talentos, e também de um novo prêmio para contistas que tinha me chamado a atenção, no qual as boas vendas dos contos, autopublicados na internet, valem pontos para sagrar-se finalista. Novos tempos.

Na tal coluna, eu pretendia fazer um texto mais jornalístico, sem me expor muito. Sem entrar no detalhe dos muitos concursos de contos que perdi e dos poucos (dois) em que ganhei alguma coisa (o segundo e o oitavo lugar). Até o telefonema que não foi trote, eu era apenas mais uma contista tentando emplacar, de tempos em tempos, um concurso literário.

E foram contistas assim, mas devidamente revoltados, que fui encontrar dois dias depois, na página do prêmio no Facebook, quando se iniciou a estratégia de divulgação. Nos comentários, pessoas desconfiadas da lisura da premiação, melindradas porque não houve menções honrosas na edição deste ano e, poucas, contemporizando e parabenizando as duas vencedoras ― eu e Sheyla Smanioto, que concorreu na categoria romance. Mil e novecentos e sessenta e quatro escritores se inscreveram e não ganharam o prêmio, e tinham toda razão de estarem chateados.

E agora? Como falar de concurso literário, depois de vencer um tão importante? Eu não deveria mais escrever a coluna. Poderia parecer cabotino (depois das redes sociais, alguém ainda se lembra desta palavra?). Ainda mais porque o texto já escrito (isto não é um trote) estava bastante elogioso em relação a concursos como o do Sesc:

"Concursos literários são uma tradição para revelar novos talentos. Se a crítica vem sendo questionada em seu papel, os concursos vêm se mantendo como espaço de relativa credibilidade para a avaliação de obras ― dependendo, claro, das práticas e do prestígio conquistado por cada um em anos anteriores.

Quem já participou destes concursos, como autor ou jurado, sabe da complexidade envolvida no processo de se tentar medir e selecionar talentos, muitas vezes entre milhares de obras inscritas sob pseudônimo. Para compor o júri, são contratados escritores, acadêmicos e profissionais da literatura que, sobrecarregados, assumem uma missão com aura romântica: a de identificar a obra notável no palheiro, o gênio na multidão.

Injustiças acontecem, claro, e obras notáveis devem passar despercebidas por causa do mau humor de um jurado ou de uma modinha contemporânea. De forma geral, porém, os vencedores destas provas "às cegas" costumam exibir uma qualidade literária incontestável, o que acaba por validar todo o processo ― embora os editores mais práticos sempre apontem para o abismo entre a literatura então revelada e o gosto médio do público leitor.

Por todas as observações acima, fiquei curiosa sobre um novo concurso de contos lançado este mês, que parte de outros pressupostos. Seria o concurso do futuro?"


Era aí que eu pretendia falar do "Brasil em Prosa", lançado em junho pela Amazon e pelo jornal O Globo ― o tal em que, para estar entre os 20 finalistas, e ser avaliado pela comissão de escritores e críticos, é preciso antes demonstrar algum fôlego comercial. Para quem acalenta o sonho de "ser descoberto", romanticamente, apenas por sua obra, um balde de água fria. Mas, talvez, seja este o empurrão que os milhares de escritores que não serão contemplados precisavam para encontrar seus leitores, na autopublicação em formato digital, sem precisar da "loteria" dos concursos. Será?

Agora que ganhei um concurso, um "à moda antiga", a responsabilidade de ficar dando pitacos aumenta. É como se os vencedores se tornassem especialistas em concursos, e a escritora Luisa Geisler (que ganhou o prêmio Sesc duas vezes, uma na categoria contos e outra em romance) já falou sobre isso, e até deu dicas importantes como "coloque seus melhores contos no começo do livro, para conquistar logo os jurados".

Confesso que eu, ainda digerindo o fato de não ser um trote, não tenho conselhos a dar. Minha expectativa agora está toda voltada para a edição do livro, chamado Antes que seque, com edição da Record e previsão de lançamento em novembro. Mas não dava para jogar no lixo a coluna sobre concursos literários, depois do tal telefonema, dava?

Nota do Editor
Confira a Marta na página do Prêmio Sesc de Literatura ;-)

Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 3/7/2015

 

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