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Sexta-feira, 3/7/2015
América Latina, ainda em construção
Heloisa Pait

A mostra sobre a arquitetura modernista na América Latina em exibição no MoMA - Museu de Arte Moderna de Nova York - é parada obrigatória não apenas para os amantes da arquitetura, mas para todos os brasileiros que buscam compreender aqueles anos de promessas e tropeços na nossa rota em direção à justiça social e ao progresso econômico.

A mostra é de uma enorme riqueza, e os artífices da arquitetura moderna latino-americana são apresentados com grande respeito e delicadeza, como criadores de estatura igual à de seus parceiros pelo globo afora. O contexto social, político e urbano onde as grandes obras foram idealizadas ou executadas é apresentado, até onde pude ver, com precisão.

Estão lá os ícones da arquitetura nacional: o Masp, o Ibirapuera, Brasília, o Aterro do Flamengo. Mas o que mais chama a atenção do visitante brasileiro é a profunda semelhança entre estas obras e aquelas construídas em países vizinhos no mesmo momento. Pensei que era erro da legenda a menção a um Villanueva que projetou a Facultad de Arquitectura y Urbanismo, mas me inteirei de que se tratava do trabalho de Carlos Raúl Villanueva no campus da Universidade Central da Venezuela, em Caracas.

É como se em cada país houvesse um Vilanova Artigas em sua FAU, projetando espaços livres, democráticos e modernos que respondessem a demandas sociais crescentes. Retratados na exposição, com fotos, projetos e belas maquetes toda a gama da arquitetura modernista da região: campi universitários e prédios públicos, parques e hospitais, igrejas e clubes, residências familiares e projetos habitacionais. Não cheguei a ver outras Linas: seria interessante investigar o papel das arquitetas latinoamericanas nessa grande jornada para o futuro.

Logo na entrada, vídeos da época com imagens de obras e falas públicas dos vários países em foco se superpõem, jogando no colo do visitante a ideia de uma região com uma história comum que só pode ser entendida a partir de uma mirada conjunta. Na longa linha do tempo ao fundo da sala principal, entretanto, uma perspectiva mais sóbria: encaixamos as obras vistas no pendular movimento político latinoamericano, com seus golpes, exílios e laboriosas reinserções na vida democrática global.

Ausente, aliás, menção a Sérgio Bernardes, importante figura do movimento modernista brasileiro e vítima da polarização política da época que elegeu heróis e algozes, às vezes arbitrariamente. Talvez também entre nossos vizinhos haja Bernardes a serem resgatados, para que possamos ter uma idéia mais precisa de nossos erros, acertos e passos em falso.

Essa visão conjunta se torna possível a partir de uma pesquisa extensa pela arquitetura de toda a América Latina, incluindo o Caribe, que leigos não associam à arquitetura moderna. No catálogo da exposição, vemos a casa envidraçada de Rafael Obregón em Bogotá, uma espetacular casa de shows na Havana pré-revolucionária, a colaboração internacional num programa de casas populares em Lima e outras tantas obras que vão criando construindo a idéia de uma visão de mundo comum.

As linhas retas da Igreja de San Pedro, em Durazno, no Uruguai, nos fazem pensar em nossas próprias buscas de uma espiritualidade contemporânea. Em Santiago, o prédio da CEPAL remete não apenas aos prédios públicos modernistas onde trabalhamos, mas também às idéias gestadas e divulgadas desde ali. Familiar o amplo saguão da Escola Superior de Comércio de Córdoba. A cada momento somos convidados, como num jogo, a esse exercício de conexão e contraste.

No final da exposição, fica um orgulho pelo impressionate acervo arquitetônico moderno, que descobrimos compartilhar com Chile, Venezuela, México e outros. Mas ficam também muitas interrogações. Como é que deixamos o poder autoritário se apropriar daquele ideal de progresso e inclusão social tão belamente expresso em nosso concreto armado? Como é que, tendo tirado a farda do poder, ainda patinamos na democracia, dando margem a projetos autoritários de nação que se fincam de modo mais ou menos destrutivo em nossos governos?

Nesse sentido, a exposição do MoMA é um tapa na cara dos democratas brasileiros ou, como dizem os americanos, um wake-up call. Saímos de lá lembrando que a luta pela democracia, pelo progresso e pela justiça social é algo que não começamos nós, mas herdamos nós dos arquitetos de nosso país, os de prancheta e os outros também. Se a herança deles foi, nesse aspecto, incompleta, isso apenas nos lembra o quanto lhes temos que fazer jus.

Para ir além
Para quem pretende ir a Nova York, a exposição está em cartaz até o dia 19 de julho. Mais informação neste link. Um pouco salgado com o câmbio atual, o impressionante catálogo da exibição é vendido por 55 dólares no site do museu, ou menos, em livrarias on-line.

Heloisa Pait
São Paulo, 3/7/2015

 

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