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Sexta-feira, 15/2/2002
Pelo Fim da Palavra VIP
Alexandre Soares Silva

VIP! Ninguém diria em voz alta, a uma mulher, que ela é a mulher mais bonita da sala, se quisesse manter a amizade das outras. Quando uma empresa coloca uma plaquinha dizendo: “Estacionamento VIP”, ou um banco diz que tal fila é para “Clientes VIP” (ou clientes Gold, ou qualquer outra idiotice assim), é como se eles colocassem outra plaquinha em outra parte do estacionamento, dizendo “Estacionamento UL” ( de Unimportant Losers, Desclassificados), ou um banco chamasse a maior parte dos seus clientes de SHIC (Shitty Clients - Clientes de M...). Essa plaquinha dizendo UL ou SHIC não existe - mas é como se estivesse lá. Cada vez que você estaciona em um shopping, e não escolhe o estacionamento VIP, está sendo chamado pela administração do shopping de UL.

Quero deixar claro que não estou pedindo a proibição de nada. Estou pedindo boicote. O mínimo que se pode pedir, de uma empresa que quer o nosso dinheiro, é que rasteje por nós, como uma bêbada rastejando por um copo de uísque. Cada vez que você encontrar uma placa de “Estacionamento VIP”, saia do shopping. Sei que é impossível (qual o shopping que não tem isso?), mas pronto, disse, falei. Estou mais leve.

Pelo fim da expressão “Artista Plástico”

Se eu fosse pintor, e me chamassem de “Artista Plástico”, me sentiria insultado.

Se eu fosse escultor, e me chamassem de “Artista Plástico”, ídem.

Se eu fosse “artista performático”, pediria a Deus que me matasse, e ao Diabo que me carregasse.

Pela volta do futuro

Ninguém usa o futuro simples no Brasil. Ninguém diz: “devolverei”. É sempre “vou devolver”, “vou ver”, “vou comer”, “vou viajar”. O mal disso é que se desobedece ao princípio de que duas palavras não devem ser usadas se uma só bastar.

Esse não é um princípio bobo, inventado por capricho por um gramático caga-regras em Brasília. É um princípio geral do universo. Se uma coisa só basta, não use duas. Qualquer pessoa que já treinou artes marciais sabe da importância desse princípio - um movimento desnecessário pode causar o seu nocaute.

Desconfio que paramos de usar o futuro simples por medo. Começou assim: alguém nos perguntou: “Você virá para a festa na sexta?”. Respondemos: “Irei”. Mas isso pareceu tão definitivo, tão seguro de si, que sentimos vergonha da nossa própria certeza - um certo medo de que Deus nos fulmine por despeito. Acrescentamos: “se Deus quiser”. Não conseguimos usar o futuro simples porque dentro de nós existe um pequeno maometano secreto murmurando “o futuro a Deus pertence” o tempo todo.

É claro que o futuro pertence a Deus (como o passado, não? Mas ninguém diz “Fui lá na sexta - se Deus quiser”...). Seria uma boa coisa se deixássemos de ser tão tímidos e tivéssemos a coragem de dizer “Irei”. É o que estou tentando fazer, mesmo com todo mundo me olhando esquisito na rua. Não me importo de passar por pernóstico, porque é isso que eu sou mesmo. “O senhor vai pagar com cartão ou cheque?”. “Pagarei com cheque”.

Agora, pior mesmo é não conseguir usar nem o “vou pagar”, e usar o (desculpe, leitor) “vou estar pagando”. No site da academia de kung fu perto da minha casa, leio que “o Mestre vai estar respondendo todas as questões...”. Por quê não “responderá”? Porque parece insolente demais, uma espécie de desafio a Deus? Ou será - hipótese terrível - porque não parece “importante” o suficiente?

Um ano de feriado

Prevejo que, para diminuir o desemprego, o ano de 2022 será o Feriado Internacional de Um Ano. Vai ser muito bom. Provavelmente passarei o ano na cidadezinha de Auribeau-sur-Siagne, relendo Colette debaixo de um chorão (Salix Babylonica). Ou em Kairoulla, capital imaginária da imaginária Pisuerga, no Hôtel D’Anglaterre et du Lac. Não decidi ainda. Onde quer que as recepcionistas não digam “para que nós possamos estar atendendo o senhor, senhor”. E você?

Alexandre Soares Silva
São Paulo, 15/2/2002

 

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