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Sexta-feira, 25/9/2015 Momento ideal & conciliação Ana Elisa Ribeiro "Professora, tive de faltar à sua aula ontem por motivos muito sérios. É que..." "Ah, desisti porque minha vida está complicada..." "Vou deixar para depois. Vou esperar o momento ideal." Professor precisa escutar muita coisa. E precisa ouvir com paciência. Fazer o esforço de compreender verdadeiramente. E nem sempre responder nada. É opcional pegar a papelada em cima da mesa e sair, sem fazer expressão de desdém ou de comoção profunda. Ou, de outro modo, parar, largar tudo no chão, abraçar a pessoa e dizer palavras duras. Talvez palavras doces. Não dizer nada, mas demonstrar calor no abraço. Alegria ou vazio. Cada aluno que desiste é uma história. Uns somem, simplesmente, sem deixar vestígio. Às vezes, dão sinais anteriores de fadiga ou de desmotivação. Às vezes, nem isso. Simplesmente desaparecem. Outros optam por dar satisfação. Chegam perto, dizem umas coisas, ensaiadas ou não, e se vão. Trocam de curso, mudam de cidade, ficam em casa, tentam de novo, não tentam nunca mais. Os motivos são muitos, vários e às vezes insondáveis. Certa vez, uma aluna muito antipática, desde sempre desalinhada com tudo, com todos, com a turma e com os professores, deixou de comparecer. Era previsível. Era um alívio. Mas ela parou no corredor, por um breve momento, para dizer a um professor: "Ó, estou saindo fora. Não me adaptei. Isto aqui não é minha praia." Estava na cara. Ela demorou mais do que todos nós para descobrir sua resposta. Enfim, fez questão de desdenhar da escola, antes de sair, como quem deixa a sala depois de bater a porta com má educação. Há alunos, no entanto, que vêm contar dificuldades. E estou, como se nota, falando de alunos adultos. São estudantes de cursos de graduação, de graduação tecnológica ou mesmo de pós-graduação. São profissionais, ainda jovens, mas em sua maioria mais velhos, muitos casados, com filhos, problemas familiares e uma história notável atrás de si. Não estou falando de jovens iniciantes da faculdade, estes que fizeram tudo a termo e podem estudar em tempo integral, contando com o financiamento dos pais. Não. Não é também de estudantes de cursos "de elite" (embora isso vá se desfazendo, muito aos poucos). Trato aqui dos cursos noturnos que muita gente busca já depois de certa experiência profissional ou após uma vida correndo atrás das atualizações necessárias. Ou de um sonho, quem sabe? Esse aluno, essa aluna, vem dizer que desistirá. E não que a aula seja ruim, que a escola seja precária, que os colegas sejam intragáveis. Não. Este estudante vem quase pedir desculpas por ter entrado. Ele vem pedir desculpas pela vaga que ocupou. E lamentar que não tenha feito jus à proposta que fez aos outros e a si. Quando a pessoa diz que tem problemas, que não pode, que não quer, em tom decidido, sem subterfúgios, eu ofereço meu olhar de solidariedade. Mas eu jamais me calo. Eu sinto a necessidade de fazer perguntas óbvias, como: Tem certeza? Não tem jeito mesmo? Vale a pena? Você não vai se arrepender? Vai perder o pique depois? No entanto, quando a pessoa me dá o argumento da dificuldade de "conciliação", ah, não, aí eu não perdoo. Eu não perdoo porque a vida de adulto é, eternamente, conciliar. Não existirá mais o famigerado "momento ideal". Ele simplesmente não virá. Ele se perderá entra as contas de água e luz; se esconderá entre os filhos, na hora do almoço; se deixará levar pelas horas do trabalho assalariado; ele morrerá nos sonhos de uma profissão. Desde a entrada na vida adulta, o tempo escasseia. Passa a ser contado às avessas, uns dias a menos, os horários de despertador, os timings dos outros, sempre os outros. O tempo passa a ser uma variável quase indomável. E as pessoas continuam se empregando, se casando, proliferando. As outras coisas virão, tomarão seus lugares, menos ou mais amplos. E os estudos ficarão para depois. Só que depois é logo. Nessa escala de adulto, depois é ali. Depois é o ano e meio da especialização, os dois anos do mestrado. Os quatro da graduação, noturna, talvez. O certo é que passarão rapidamente. E o arrependimento é quase inevitável. Uma aluna de mestrado quis desistir. Teve problemas pessoais típicos de um adulto: vida financeira precisando melhorar, morar só, o noivado acabou, a tristeza tomou conta, o emprego ruim, um concurso público em vista. E ela queria desistir. O mestrado pela metade, o investimento feito. Os olhos fundos de cansaço e tristeza. Mas o modelo de felicidade - casa, marido, descanso e empregão - não a deixava em paz. Quase caiu. Não deixei. Fui dura. "Você não pode desistir no meio! Vai passar rápido! Valerá a pena. Pode aumentar suas possibilidades. Mas, antes disso, já pensou? Como você vai se encarar depois de desistir no meio?" Bom, ela foi. Ela seguiu. Sempre acho emocionantes os fechamentos de cursos. Em todas as etapas, do ensino médio à pós-graduação, as pessoas mudam muito. Os graduandos crescem, florescem, mostram coisas insuspeitadas a nós, que estamos ali participando de suas caminhadas. Os pós-graduandos tornam-se pensadores, muitos. Vários, não. Mas muitos passam à vida de formadores, profissionais, professores e vão semear mais. É absolutamente emocionante assistir à defesa de mestrado, só para um exemplo, de uma pessoa que chegou tímida e sem qualquer noção da teoria X ou Y. E mais emocionante ainda é ver como ela conclui um trabalho após a superação de um leque grande de dificuldades da vida adulta: a pressão, a doença, a morte até. Superou a falta, o despreparo, os horários de trabalho, o sono, a vigília, o nervosismo. Conciliou com o fim do noivado ou com o casamento. O marido, a gravidez, quem sabe? Conciliou com as viagens ao interior. Conciliou com a diversão, as férias em família, o intercâmbio. Conciliou consigo mesma, quando deu a impressão de que não teria forças para continuar. Pela vontade dessa conciliação, as pessoas já mereceriam os parabéns. Mas elas fizeram mais. E alcançaram um grau, uma graça, um outro horizonte. E se eu estiver soando otimista demais, perdoem. É isso mesmo. Os alunos nos olham e querem saber nossas histórias. Quando eles nos admiram, eles querem saber como foi que conseguimos. Muitos acham que tivemos condições muito melhores para fazer o que fizemos, para chegar até ali, até aquela condição de formadores. E então pode ser bom contar uma história absolutamente igual à deles. As moças querem saber como conciliei marido, filho, casa. Os moços querem saber como conciliei viagens e estudos. E há os que mostram surpresa grande quando sabem que tenho filho! Quando não a perplexidade de algumas ao descobrirem que ainda há maridos que sabotam as esposas que saem para se qualificar. Não existe mais o momento ideal, eu disse a um dos meus alunos. Não existe. Afirmei de novo. A vida vai fazer todos esses movimentos, simultâneos. E eles serão sempre simultâneos. E se você não jogar mais este ingrediente aí nesse redemoinho, você não vai mais estudar. Faça o plano, olhe o calendário com firmeza e toque em frente. No dia da sua defesa, estarei lá para assistir e te dar um abraço meio assim: "Viu só, mestre? Eu não disse que daria?" Ana Elisa Ribeiro |
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