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Domingo, 25/3/2001 Náufrago: nem tanto ao mar, nem tanto à terra Adriana Baggio Náufrago é um dos prediletos na edição 2001 do Oscar. Por conta disso, muito já se discutiu sobre o roteiro, sobre a atuação de Tom Hanks, sobre se há ou não pieguice, sobre as mensagens que o filme pode passar ao público: "não perca a esperança", "dê valor à vida", "o tempo é relativo", etc. A parábola do homem perdido numa ilha deserta já é antiga, e sempre volta à tona, adaptada a cada época. Neste caso, a época é da velocidade. Nunca buscamos tanto a rapidez como nos dias de hoje. Vivemos na era do non-stop, fast food, express, on line, e, é claro, FedEx. Chuck Noland vive obcecado pelo tempo e pela velocidade. Como o típico executivo-que-não-dá-bola-para-a-vida-pessoal, Chuck tem um compromisso pessoal com o tempo de entrega das encomendas da empresa para qual trabalha, a FedEx. Mas o avião que o transporta rapidamente de um ponto a outro cai no mar, e só ele sobrevive. E aí o tempo pára. Não é mais preciso se preocupar com as encomendas, nem com a vida pessoal, nem com o desempenho da empresa. Ele tem todo o tempo do mundo para aprender a viver na mítica ilha deserta, sem os recursos da vida moderna. No começo ele resiste, e mantém a postura de que aquilo "é só por um tempo, logo virão me resgatar". Quando isso não acontece, é preciso aceitar a situação para sobreviver. Chuck abre as caixas com encomendas para que ajudem-no em seu novo habitat. A caixa que ele preserva intacta é o sinal de pieguice para os críticos, mas é coerente com o comportamento racional do personagem. Isolado, sem nenhum tipo de estímulo, talvez ele saiba que a única maneira de se manter ligado com a realidade anterior é conservando algum símbolo. O filme mostra Chuck vivendo como talvez tivessem vivido os homens pré-históricos. Ele precisa do fogo, aprende a fazê-lo para sobreviver. Não se sabe se ele é religioso ou se é ateu, mas cria uma imagem, um amuleto, na forma do Wilson da bola de vôlei. Acredito que Wilson esteja mais para um deus pagão do que para o Sexta-Feira. Chuck também registra suas atividades e seus pensamentos nas pedras, marcando as datas, desenhando o rosto de Kelly (sua namorada), contando sua trajetória, exatamente como faziam os homens das cavernas. A dor de dente de Chuck é um ótimo ponto de coerência. Em "Robinson Crusoé" ou "A Lagoa Azul", esses males menores que não matam mas incomodam profundamente a vida das pessoas nunca acontecem com os náufragos nas ilhas. Ninguém nunca teve cárie, unha encravada, micose, cistite, conjuntivite, etc. No quarto ano na ilha, Chuck parece conformado com a vida que leva. As conversas que têm com Wilson sugerem que enlouqueceu, que perdeu a tênue ligação com o mundo de outrora. A chegada da placa de metal que servirá de vela em sua jangada acende novamente o desejo de tentar escapar. Mais tarde, ele explica que tentou se matar, mas não conseguiu fazê-lo da maneira desejada, e isso representou um sinal de que deveria permanecer vivo. Para um homem acostumado ao controle, Chuck aprende a viver ao sabor dos acontecimentos, esperando pacientemente que as coisas aconteçam. É assim quando desiste de se matar e também quando é resgatado e volta para a civilização. Kelly está casada, e ela é o único elo de ligação entre a vida que levava antes e o agora, e que também permaneceu com ele na ilha. Chuck não pode mais contar com Kelly, e mais uma vez ele se põe pacientemente a esperar que as coisas aconteçam em sua vida. No fim, de acordo com o american way of life, Chuck parece feliz, esperançoso do que a nova vida pode lhe reservar. Provavelmente ele será um homem mais calmo, que dará mais atenção aos entes queridos, deixará de consumir tantos pratos prontos e sentirá prazer em perder tempo na cozinha. Talvez sua conexão com a internet não seja das mais velozes, seu jornal só chegue após o meio-dia, tenha apenas um telefone fixo e não celular e pager. Pode ser que ele não se irrite quando alguém demorar para perceber o semáforo verde, ou quando o correio atrasar a entrega de alguma coisa. Mas o final deveria apresentar uma outra situação, mais realista e menos piegas. Será que o tempo passado na ilha não afetou a vida de Chuck de uma maneira mais forte do que mostra o filme? Talvez ele sinta-se perdido, por não pertencer mais ao mundo em que vivia antes, e ao mesmo tempo por não querer voltar à vida na ilha. Talvez ele tenha se tornado rústico demais para a civilização, mas continue civilizado demais para a vida rústica. Com isso tudo, talvez Chuck tenha realmente se tornado no land. Adriana Baggio |
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