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Terça-feira, 19/2/2002 Os Vingadores versus... Collin Powell Lisandro Gaertner Sexta Feira. Fim de noite. Tudo prometia o começo de uma grande farra. Eu não podia estar mais errado. Ainda me convalescendo de uma sinusite crônica e com a minha namorada gripada dormindo ao meu lado, não tive outra opção, a não ser passar a noite lendo gibi e assistindo televisão. Peguei uma das revistas velhas que eu tenho sempre à mão e liguei a TV. Na MTV, é claro. Como eu poderia ler se estivesse assistindo a um programa de verdade? Logo, comecei a folhear a revista e percebi que não me lembrava bem da história (o que era um bom sinal). Além disso, ela era desenhada por George Perez e a história até que era divertida! Dentro das circunstâncias, o que eu podia querer mais? Os Vingadores, para os leigos, Capitão América, Thor, Homem de Ferro, e uma série de outros heróis, são atacados por criaturas místicas de Asgard, terra dos deuses nórdicos. Depois dos combates iniciais e da clássica reunião na sua mansão nova-iorquina, eles descobrem a responsável por essa conspiração e resolvem revidar...Como eu já disse, o que eu podia querer mais? Deixei a revista de lado, fui buscar uma água (louco por uma cerveja, mas sob medicação!) e quando voltei para a aventura dos Vingadores dei com Collin Powell, o homem forte dos USA/EUA, falando na MTV. Lembrei de ter visto uma chamada da emissora sobre o programa, mas não pensara muito a respeito. Contudo, ao vê-lo em cadeia INTERnacional, falando com os "jovens" mtvzeiros do mundo, fiquei estarrecido. Nunca em toda a história da humanidade um presidente, chefe de estado ou algo que o valha fizera um pronunciamento ao vivo com participação (controlada, mas válida) de uma platéia tão variada e espalhada por tantas partes do mundo. Um milagre da santa Tecnologia! Infelizmente, nem todas as impressões que tive foram tão positivas. Fica um tanto difícil de explicar, mas o meu pensamento, como o de muitas pessoas, eu espero, não funciona de forma linear e objetiva, tipo INPUT-PROCESSAMENTO-OUTPUT. Na grande parte das vezes, ele vem em torrentes que se contradizem e se rebelam umas contra as outras, como um rio que desce e os salmões que o sobem para se acasalar; excetuando-se a parte do sexo, é claro. Por isso, peço desculpas antecipadamente pelo o que vocês lerão, mas vou tentar transcrever da melhor maneira possível o que passou pela minha cabeça diante da situação. A MTV é uma das maiores redes de TV do mundo. Ela atende a uma parcela da população cada vez menos letrada e sobre a qual ela exerce uma grande influência. Por outro lado, ela segue uma cartilha PC (politicamente correta) e não faz mais nada do que sua obrigação ao informar seu público sobre o que acontece no mundo. Quem seria então a pessoa certa para falar sobre isso? Que tal Collin Powell, secretário de estado americano, o Henry Kissinger dos nossos dias? Tudo bem, proposta aceita. Afinal de contas, ele é bem sucedido, famoso, popular (dois conceitos bem distintos) e negro, o que mostra a importância que a MTV dá às minorias. Se além disso, ele também fosse gay...Mas, nem sempre tudo é como a produção do programa quer. Collin se apresenta. Jovens do mundo começam a fazer perguntas: Afeganistão, Guerra contra o Terror, Aids, Drogas, Imperialismo, Globalização, rola de tudo, menos "Qual é o seu signo e quantos anos você tem?" (ou talvez tenha rolado, eu fui ao banheiro uma vez durante a entrevista). Collin, do alto dos seus mil anos dominando tropas americanas, responde a tudo placidamente. Diz que a pobreza causa o terrorismo e a violência. Diz que o Brasil não está de todo errado ao quebrar a patente dos remédios contra a AIDS. Diz que o Islamismo é uma linda religião que prega a paz. Diz que, na verdade, (não diga?) os EUA/USA financiam, através dos seus viciados, o narcotráfico. Uau, os americanos sabem e aceitam tudo o que eu sei; mas, por outro lado, Collin, depois de suas respostas, nunca esquece de dizer: "Os EUA/USA oferecem ao mundo um modelo político-econômico e de valores que pode resolver os problemas de todos". Desde que todos abracem a globalização, desde que aceitem a polícia mundial e tudo mais que "crie" uma "relação" saudável entre todos os países. Tomei um susto. Eu, por toda a minha vida, me considerando vítima de lavagem cerebral norte americana e um cara qualquer vem na minha cara e diz o que por anos eles escandalosamente insinuavam? Me senti até menosprezado, mas vá lá. Talvez o público da MTV precise de ordens mais diretas. A entrevista se encerra e eu estremeço me perguntando qual terá sido a reação disso no mundo. Para esclarecer, pelo menos em parte, a minha dúvida, o programa corta para o estúdio no Brasil e começa um debate em que os jovens brasileiros alí presentes demonstram não ter acreditado em lhufas do que o Collin havia dito. Menos mal, mas mesmo assim, será que eu não estaria naquele momento, como na Hora da Zona Morta do Stephen King, olhando para o futuro presidente americano, que iria nos jogar numa guerra nuclear? Desliguei a TV. Nunca me interessei por política e essas coisas normalmente passam desapercebidas. Talvez, isso não significasse nada e eu estivesse me preocupando à toa por causa de um tédio característico de certas noites quando não temos nada para fazer. Voltei para os Vingadores. Eles acabaram sendo vencidos por sua inimiga Morgana Le Fey, que se utilizou de magia asgardiana para reformular o mundo e dominar as suas mentes. Graças a sua força de vontade, o Capitão América e, consequentemente, todos os outros vingadores se libertam do jugo mental da feiticeira e salvam mais uma vez o universo! Guardei a revista, apaguei a luz, deitei me abraçando com a minha namorada e o mundo pareceu um pouco mais seguro. Além do mais, que motivos eu tenho para me preocupar se sempre teremos os Vingadores para nos salvar mais uma vez? AVANTE VINGADORES! Lisandro Gaertner |
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