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Quinta-feira, 10/12/2015 Os encontros dos estranhos Elisa Andrade Buzzo Onde foi mesmo que topamos? Num filme egípcio da mostra, numa ópera tupiniquim num teatro de bairro? Enquanto a maioria sai acompanhada e consome pipocas gigantes, litros de refrigerante, estamos assim, sozinhos, tranquilos, dialogando com nossos próprios olhos e seguindo nossa programação cultural com unhas e dentes. Parece que temos gostos culturalmente parecidos, mas não nos conhecemos e nunca conversamos - é melhor que continue assim. Talvez hoje sejamos algo equivalente àqueles que na escola não tinham turma definida, estavam numa leve distância dos modismos. Não conhecíamos a não ser de nome Shakira, e a porta de madeira do guarda-roupa era lisa, sem pôsteres de bandas. Talvez ainda fôssemos mais calados que a maioria, a menos que o assunto nos interessasse de fato. De criança aprendemos sozinhos a estarmos sozinhos. Estamos desacompanhados, ou não, e não temos pudores em sermos seres humanos entendendo que também podemos ser fortes - senão mais - sozinhos. Que é normal não ter onde se apoiar e cochichar a todo momento, que também se é íntegro e inteiro assim, ao contrário do que a sociedade medrosa nos diz, que em algum ponto falhamos e nos desencoraja a sermos assim - nem que seja às vezes. E hoje, tão raro, identifico na poltrona à minha frente na ópera um rosto diferente e conhecido, que se eleva na multidão. É aquele que já havia encontrado em alguma outra sessão qualquer tão vazia, incrivelmente vazia numa cidade com mais de 11 milhões de habitantes. Sessões quase que exclusivas, em que os sozinhos experimentam a delícia de um excelente programa, com sua própria companhia, que, afinal, é muito! Se a cidade é inchada e deslocalizada, se cada um vive sua vida por conta própria, então devem haver milhares de seres em suas experiências sutis. Em algumas ocasiões, furtivas e rápidas, eles acabam se encontrando... Por que o habitante estranho fora embora na melhor segunda ópera da noite? Dias depois, um estalo, e me dou conta. Ele saiu no intervalo a tempo de pegar um autógrafo do Mia no Sesc Pompeia... Elisa Andrade Buzzo |
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