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Quinta-feira, 14/1/2016
Terna e assustadora realidade
Elisa Andrade Buzzo

As esculturas hiper-realistas de Patricia Piccinini são feitas com materiais como silicone e cabelos humanos. Isso seria o suficiente para uma comparação com as obras de Ron Mueck. Mas aqui damos um passo além, pois algumas das criaturas de Piccinini não são exatamente humanas. Algumas delas guardam a maior parte de nossos traços, outras, híbridas, são muito diferentes de tudo o que já possamos ter imaginado. No entanto, elas convivem em harmonia, numa poderosa confluência de afetuosidade.

Sentimos uma vontade irredutível de colocar as mãos naquelas epidermes. Poros. E arrancar essa falácia, desvendar que se tratam de bonecos mentirosos, com cabelos espetados, roupas e tinta, para enganar nossa mente e perturbar a paz de nosso espírito.

Uma mistura de esfinge com estatueta de Vênus nos dá a noção ancestral de fertilidade ("Esfinge"). Cheia de dobras na pele, pelinhos loiros, pelos despontando de verrugas, miraculosos órgãos reprodutores e cavidades úmidas que consideraremos obscenos por estarem assim, à mostra. Será nesse novo mundo das mutações genéticas a reprodução vista com outros olhos e aberta à uma beleza da continuidade fundamental das espécies?

De plantas mutantes, saem línguas. Há garras. Pelos. Na instalação "Flor bota" (2015), uma flor cabeluda vira-se para nos encarar com seu grande traseiro pondo ovos. Não há vergonha. Se cobrimos nosso corpo assustador, aqui eles estão desnudos, modificados. Presentes como matéria orgânica, mas ausentes de sua presença. Circundando a flor medonha, um campo de flores em forma de ovário, brancas. Sua aparência é mortiça, petrificada.

Um ser estranho aconchega um naco de carne (A Confortadora). Uma garotinha contempla fascinada misterioso e supostamente perigoso visitante (O Visitante). Os olhos vívidos dessas esculturas dão conta da outra realidade que se supõe diante de nossa incredulidade, nossos medos e nojos. Mas se assim somos feitos; se somos esses, agora. E, se estes pedaços de vida tem músculos, fibras, terão também desejos e necessitarão de carinho? Vemos nas telas de "A carga contida" (silicone sobre linho, 2013), um suposto início dessas vidas, ou melhor, vestígios de uma quase vida. "Marcas que sugerem o que poderia ter sido."

Num mundo em que ainda há desmesurada preocupação com a aparência física de si e alheia, com a orientação sexual, essas esculturas que pudemos ver no CCBB-SP, em que exalam compreensão, afeto e serenidade diante da existência são um respiro de alívio num porvir nebuloso.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 14/1/2016

 

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