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Quinta-feira, 11/2/2016 Agora o mundo perde cotidianamente os seus ídolos Guilherme Carvalhal As notícias da morte de ídolos nas mais diversas áreas tem se tornado recorrente. Ettore Scola no cinema e David Bowie na música foram os principais esse ano, em uma lista que recentemente incluiu João Ubaldo Ribeiro, Ariano Suassuna, Lemmy Kilmister e muitos outros. A geração que ficou conhecida através dos meios de comunicação de massa e que começou a ter grande notoriedade através da sua propagação na sociedade da informação começa a chegar à terceira idade e falecer. O grande crescimentos de rádio e TV no pós-guerra e mais recentemente da internet gerou o contato da população com novas formas de proximidade com o mundo e esses ídolos midiatizados se tornaram presença constante no cotidiano. O século XX tem como uma de suas maiores características a ascensão da comunicação massiva, fruto do modelo a sociedade de massa que começou a se desenhar na Revolução Industrial. O crescimento das cidades a níveis exorbitantes, alavancado pelo processo de migração das zonas rurais e pelos avanços da medicina que reduziram a mortalidade deu origens a cidades com população que ultrapassa os milhões de habitantes. A modernidade provocou alterações significativas nas formas de socialização. A Revolução Industrial levou o ser humano a um contato plenamente diferente com relação ao mundo, seja pelo desenvolvimento tecnológico, seja pelos novos afazeres inerentes ao novo modelo social. Objetos como televisão, automóvel, liquidificadores, pílula anticoncepcional, máquina de lavar, telégrafo, criaram um novo modo de perceber tempo e espaço. Os processos se tornaram mais rápidos, a distância diminuiu. A pressão capitalista exige metas de produção mais elevadas e os modelos administrativos levaram o tempo a ser controlado. Se uma pessoa na era medieval acordava quando findava o sono e a população majoritariamente agrária lidava com sua produção agrícola, hoje o despertador e o relógio dão a tônica do dia a dia com suas tarefas agendadas. Mulheres entraram para o mercado de trabalho e isso mexeu com o conceito de existência familiar. Os preconceitos, mesmo que ainda permanecendo, tiveram perdas em aspectos legais e grupos étnicos excluídos agora se veem inseridos com maior igualdade. A ideia de modernidade começou a surgir em meados do século XVIII e encontrou solo fértil em tempos atuais. Em um aspecto individual, a modernidade representa uma construção fora dos padrões cotidianos das pessoas, significando mudanças na relação dele com a sociedade onde se insere. Em tempos antigos, o filho ou uma filha majoritariamente continuaria a trajetória de sua família. A descendência de um nobre manteria seu padrão social, a de uma guilda de artesãos manteria a profissão, a de um agricultor permaneceria na propriedade rural, a de um escravo continuaria presa aos grilhões. Os tempos presentes inseriram uma expectativa diferenciada, em que a tradição se faz menos presente nas perspectiva de futuro. O mercado de trabalho mais fluído representa constantes mudanças profissionais, levando a alterações em questões de aprendizado, trabalho e de residência. Seguir a profissão dos pais não é mais uma regra, hoje a pressão por conseguir um bom emprego sendo mais relevante do que um apego afetivo a tradições. As possibilidades de educação abrem o leque, juntamente ao surgimento de novas categorias e com a obsolescência forçando a atualizações constantes. Com relação a expectativas que não se enquadrem apenas em questões de trabalho, os choques forma igualmente drásticos. O choque de gerações cresceu à medida em que novas ideias e novas opções de consumo se propagaram. No século XIX, Ivan Turguêniev, em Pais e Filhos, já retratava o conflito que surgia a partir de um momento em que a juventude entra em contato com ideias diferentes daquelas na quais foi criada e isso gera um conflito familiar. Essa obra mostrou como a vivência familiar passaria por drásticas mudanças dali em diante. O consumo foi um forte balizador da mudança de comportamento na época contemporânea. O sonho do carro, de viajar para conhecer o mundo, de embarcar em instituições de ensino diferente, pela moda, pelos novos produtos culturais como cinema e discos musicais, foram responsáveis por mais divergências. A criação da Indústria Cultural promoveu novos valores e jeitos de agir que levaram a mudanças comportamentais significativas. A geração baby boomer começou a crescer sobre fortíssima influência da cultura de massa. Se a cultura do rádio e das revistas já influenciava comportamentos, agora a mudança se daria de forma mais abrupta. Diferenças comportamentais foram mais constantes e em pouco tempo começou a surgir uma sociedade mais fragmentada. Se no começo no século XX imaginamos um mundo mais homogêneo em padrões comportamentais, a heterogeneidade começou a prevalecer, em aspectos de moda e de gostos. Junto a esse processo, vale apontar a presença de grupos minoritários que começaram a ganhar destaque a se afirmarem. Quando falamos da perda dos ídolos que acompanhamos com tanta constância recentemente, estamos falando de pessoas que divulgaram comportamentos e ideias que se reproduziram na sociedade. Foram Elvis e seu rebolado, Roberto Carlos e seus cabelos compridos, Leila Diniz grávida de biquíni, Caetano Veloso e seu brinco quem quebraram paradigmas e inseriram novos conceitos na sociedade. Uma influência que se mostrou muito significativa a partir da geração baby boomer, com a ascensão da TV e da cultura audiovisual. Os valores e os fazeres midiatizados começaram a atropelar os mais tradicionais, como família e igreja, e essa relação foi altamente abordada, como no filme Juventude Transviada. A morte de David Bowie e de Lemmy Kilmister são a perda de figuras que representaram uma inovação não apenas em questões musicais, mas também estéticas, sendo um modelo para um determinado tipo de comportamento. Michelangelo Antonioni e Ettore Scola promoveram inovações no cinema que influenciaram a televisão. Até mesmo na literatura o modelo massificado ajudou na aproximação do público com autores, incluindo nisso a adaptação de muitas obras para cinema e TV. A formação desses ídolos não necessariamente passa pelo talento, havendo aquelas figuras que são famosas apenas por serem famosas. A crítica à Indústria Cultural é forte, remetendo aos autores da Escola da Frankfurt. Tanto que é bastante comum nos depararmos com a morte de alguém em destaque nos veículos de comunicação sem saber porque ela teve relevância. O que resta agora é conferir com frequência a morte de pessoas relvantes. Os rebeldes da década de 1960 já passam dos 70 anos e a tendência é que o obituário se torne cada vez mais um dos principais destaques da mídia. Muitos que nada fizeram de relevante serão lembrados. Outros de importância comprovada tendem a receber maior consideração. Caberá ao tempo separar o joio do trigo. Guilherme Carvalhal |
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