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Sexta-feira, 19/2/2016 4 livros de 4 mulheres para conhecer Ana Elisa Ribeiro A pilha de livros de poesia vai mais alta do que a mesa. Infelizmente, só consigo lê-los nas férias. A roda-viva geral me dá a entender que não cabe poesia no resto do ano. Mas eu insisto em desafiar essa sina. Com o Fábio Assunção declamando poesia na novela das seis, talvez haja mais um impulso para me ajudar. E tomara que as cenas estimulem mais gente. Ô dó de quem depende disso para conhecer meia dúzia de trovadores. Todos mortos, quase sempre. E não é que morrer seja demérito! Por favor. Tem muito morto bom por aí. Mas poeta bom também é poeta vivo. Ou viva. Nestas férias, além de passear na praia e dormir até tarde, recompensas esperadas sem ansiedade, tratei de tirar o atraso de parte da pilha de livros de poesia. A maioria deles é de pessoas que conheço, amigos, parceiros, colegas. Ou de desconhecidos de quem ouvi falar, sobre os quais ouvi elogios. E como ler poesia não para por aí, entusiasmei-me em exprimir minhas impressões. Então é assim: poesia boa deixa a gente inquieta. Ou quieta para pensar. Não é como ler qualquer coisa, sair andando, comer o bife ou fritar ovo. Literatura - para além da poesia - desafia, desafina ("o coro dos contentes...") e perturba um pouco. Fiquei pronta para dizer umas coisas, mas principalmente para passar adiante. Quem sabe alimente a pilha de livros de alguém? Adriane Garcia Mineira de Belo Horizonte, publicou três livros de poesia e ganhou prêmio no Paraná com o primeiro deles, Fábulas para adulto perder o sono. Recebi um exemplar das mãos da própria autora, em um evento literário. Mas minha língua coça é para falar do terceiro livro: Só, com peixes, pela editora Confraria do Vento. Do meu jeito curto, meio raso, e que me perdoe a poeta (e os críticos profissionais que me ignorem), passei uns dias imersa em um aquário. Só, com peixes é um projeto, no sentido de que há intencionalidade clara ali. Adriane resolve mergulhar em um tema - aparentemente o do písceo -, mas nunca é só isso. A humanidade está lá, a desumanidade também, o deslocamento, a falta e a exuberância. Na linguagem, a poeta é econômica, embora não seja rasa. É contundente, sinuosa, inclusive. A título de exemplo, vai um "Fronteiras": Se eu entro no mar Não me querem que Tenho pernas Se eu venho pra terra Não me querem porque Tenho cauda Antigamente eu mudava De cor Qual cavalo marinho Mas oceânica bebi A água doce da torneira Entrei no táxi filha pródiga E disse: Siga para a Atlântida O homem me olhou Como se olha uma refugiada. Ana Martins Marques Esta poeta está em oito entre dez listas de mulheres escritoras que despontam. E não à toa. O primeiro concurso de poemas que ela venceu foi em Minas (de onde ela é), quando eu compunha o júri. Abrimos o envelope que revelaria os dados daquele poeta sob pseudônimo. Desconfiávamos ser uma mulher. Um quê... Não se sabe. E era ela, que eu já conhecia vagamente. Depois ela arrematou mais vários prêmios. Ana Martins Marques é autora de três livros. O primeiro a lançou, e saiu pela editora Scriptum, de Belo Horizonte. Em seguida, veio o contrato com a Companhia das Letras. Minhas férias foram de saborear o mais recente: O livro das semelhanças, que me mergulhou em uma linguagem delicada, de uma simplicidade exatíssima. Ana é dona de uma poesia que não diz com sobra e nem com excesso, mas é cheia de lacunas - boas. Dividido em partes, há também intenções ligadas a temas - como o do objeto livro ou o das "visitas ao lugar-comum", que muito me agradou, e a reiteração de personagens e assuntos encontráveis em outros livros dela. São mais de cem páginas de se ler saltando levemente. A despeito das grandes diferenças de dicção, vou exemplificar na mesma trilha de Adriane Garcia. Aqui vai a "Sereia" de Ana MM: Sereia centauro com sal melhor é tua metade animal a parte humana sendo humana sempre mente só mesmo um peixe pode ser contente de nada te serviriam joelhos ou pés o que és é também o que não és nada é o que fazes bem metade do que eu sou não sou também Prisca Agustoni Prisca, para mim, era a tradutora. Até que recebi pelos correios seus livros de poesia autorais. Autora de cinco livros ou mais, em quatro línguas diferentes, a suíça radicada em Minas preencheu minhas férias com A morsa (Mazza Edições). É ainda um outro universo, diferente do de Adriane e do de Ana MM. Mais denso, mais opaco. Curtos, firmes, angulosos, os poemas trazem, principalmente, a questão do deslocamento, da adaptação (ou seu contrário), a saudade indizível em outras línguas, a migração. Incômodo. Profundamente poético e prenhe de imagens. Principalmente elas. Espiem o "Curta-metragem urbano", apenas para uma amostra: 1. A indiana envolta no tule passou por mim e me sorriu. Porque eu também sou de algures, e estou relativamente bem nesta cidade sem ninguém. 2. A casa da felicidade alagou-se dias após sua partida. Regina Azevedo Potiguar de Natal, Regina começou cedo, como costumam apontar aqueles que escrevem sobre sua poesia. Mas esqueçamos disso e vejamos este segundo livro da autora: Por isso eu amo em azul intenso, publicado pela editora Jovens Escribas - que tem pouco de jovem e já publicou nomes como Chacal, Sérgio Fantini, Braulio Tavares e vários mais. De um livro ao outro, Regina deu um salto. Neste segundo, sua voz aparece ainda mais solta, quente e feminina. Mérito. Muito encorpada, muito dela mesma, própria, voraz. Regina mete medo. Não é um livro temático, intencional como outros, mas é claro que há aqueles assuntos preferenciais, como o amor, neste caso. Ou quase. Regina faz a gente corar. deitado ao meu lado diz que se lembra dos tempos em que a gente sonhava com o dia de deitar um ao lado do outro Quatro cantos São quatro poetas completamente diferentes. Nem sempre nos temas, mas nos olhares, nas vozes, na linguagem que escolhem para se tornarem escritoras. Preferência? Não. Estão em ordem alfabética. Ana Elisa Ribeiro |
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