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Quarta-feira, 9/3/2016 Notas confessionais de um angustiado (III) Cassionei Niches Petry (Trechos da minha dissertação de mestrado, formada pelas notas sobre o processo de criação do romance Os óculos de Paula e o romance propriamente dito, que foi editado em 2014.) (...) XVII. Em um trecho do conto “O lago dos peixes dourados e outras histórias”, da coletânea Fumaças e espelhos, Neil Gaiman escreve: "A pergunta irritante que nos fazem – a nós, escritores – é: – De onde você tira suas ideias? E a resposta é: confluência. As coisas se juntam. Os ingredientes certos e, de repente: Abracadabra!" É uma das melhores respostas e a que mais se relaciona com o meu romance. A partir do título, as coisas vão se juntando até formar o eixo da história. Como escreveu Rollo May, é como se a ideia saltasse do inconsciente. Depois, com o desenrolar do nó inicial, novas ideias vão sendo agregadas, mas sem se perder o foco nas personagens principais. Escrever sobre o ato de escrever é um dos temas do romance. O ateísmo, que em princípio parece ser o assunto principal, é um disfarce para distrair o leitor. O romance não é sobre o ateísmo, em que pese ele estar presente em boa parte da história, muito menos é uma defesa dos ateus, pois seria um romance panfletário. Busco um romance fora das convenções, pois ele mistura ficção, ensaios, crônicas, postagem de blogue, etc. Por conseguinte, o trabalho teórico também será distinto das demais dissertações, visto que será composto por estas anotações sobre o processo de escrita. Tenho que pensar, no entanto, nos leitores do romance e da dissertação: vão entender minha proposta? XVIII. A reflexão inicial destas notas deveria se relacionar à criação artística. Entender a origem das coisas, entretanto, pode resultar numa destruição do objeto. Um trabalho teórico mais rígido prejudicaria o processo literário. Por isso a escolha de anotações paralelas à produção romanesca, que servem como reflexão teórica e pesquisa. XIX. “O único paciente atendido pelo escritor é ele próprio”. Em Lição de anatomia, de Philip Roth. Pode ser. Se há uma doença que tenho, esta doença é causada pela literatura. El mal de Montano, de Enrique Vila-Matas, discute esta enfermidade, que consiste em ver em tudo a literatura. E se nesse mal tudo passa a ser literatura, a própria literatura acaba tratando da literatura. A metaficção está presente em vários momentos do romance através dos comentários e postagens do blogue feitas por Fred e através dos capítulos referentes às reflexões de um escritor que aparecem no meio da história. Ainda não tenho certeza se ele será o narrador ou apenas a personagem de um conto escrito por Fred. XX. Escrevendo um diálogo entre as duas personagens principais, Paula e Fred, no chamado discurso direto, mais convencional. É preciso uma seleção do que se deve colocar para não tornar maçante essa passagem. Um recurso é intercalar a voz do narrador. Isso, porém, precisa ser bem dosado. Outra dificuldade é o uso do “tu”. Conjugá-lo corretamente? Como os dois não se viam há tempo e gostavam muito de ler, e também para impressionar um ao outro, optei pela correção gramatical. À medida que eles se reaproximarem, a linguagem vai se tornar mais próxima. Assim como a linguagem usada nos diálogos entre ela e o marido ou o filho. (...) XXII. Marcelo Gleiser, em seu livro A dança do universo, discute a questão de “por que existe algo ao invés de nada”. Essa questão pode ser abordada no sentido literário da criação. Afinal, por que existe um livro? Por que escrever algo? Por que criar histórias? Por que escrever mais livros se já existem muitos? Por que estou escrevendo esse livro? Mais adiante o autor escreve que “quando nos deparamos com a questão da origem de todas as coisas, podemos discernir uma clara universalidade do pensamento humano. A linguagem é diferente, os símbolos são diferentes, mas, na sua essência, as ideias são as mesmas”. Pensando mais uma vez no sentido literário, um dos mitos existentes para a criação são as Musas. Filhas de Zeus (Júpiter) com Mnemósine (Memória), “são as fontes inspiradoras que comunicam aos homens a faculdade poética e lhes ensinam as cadências”,segundo René Menard. Raimundo Carrero, no entanto, escreve: “Os inspirados esperam pelas musas. Ou por Baco, na segunda cerveja do bar da esquina. Equivocados.” Cassionei Niches Petry |
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