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Quarta-feira, 20/7/2016 Notas confessionais de um angustiado (IV) Cassionei Niches Petry (...) XXVI. “Admitir, desde o início, que a essência desse projeto é o fracasso”. Paul Auster, em A invenção da solidão. (...) XXIX. Assisto a um vídeo de Rubem Fonseca, gravado durante a entrega de um prêmio que ele recebeu em Portugal. O autor, antes recluso, surpreende falando sobre as características de um escritor. Para ele, quem escreve literatura deve ser louco, ter inteligência (apesar de conhecer muitos escritores não muito inteligentes), estar motivado, ter paciência e, principalmente, imaginação. Só um louco para propor, como dissertação de mestrado, um romance e um caderno de anotações sobre o seu processo de criação. Quanto à motivação para escrever o romance, encontro-a na própria dissertação e no prazo de entrega. A paciência, por sua vez, deve dar lugar à pressa, devido ao prazo para entregar o resultado da pesquisa, o que talvez prejudique o resultado final do processo romanesco. Depois, porém, haverá tempo para reescrever, se necessário. Tenho imaginação? É o que veremos no decorrer da produção do romance. XXX. Romances metaliterários são uma constante nas minhas escolhas de leitura, tendo em vista meu próprio romance e as reflexões que faço em torno dele. Acima de tudo, porém, sou aficionado por esse tipo de leitura. Termino de ler Zuckerman acorrentado, volume com quatro narrativas longas do escritor norte-americano Philip Roth, do qual faz parte o romance Lição de anatomia, anteriormente citado. Retirei dois trechos sobre a criação literária: “Inventar pessoas. Uma atividade benigna quando você está datilografando no aconchego do seu escritório.” (p.279). “Isso é igual a escrever. É você sozinho com uma montanha e uma picareta. É você consigo mesmo, no maior isolamento, com uma empreitada quase irrealizável pela frente. Isso é escrever.” (grifo do autor). XXXI. O reinício das aulas traz o escritor, que também é professor, de volta à realidade e ao problema do tempo para escrever. Somam-se a isso as incertezas quanto à fixação dos horários, que se modificam todo o dia, até que se possa estabelecer um cronograma para o desenvolvimento do projeto de mestrado e a escrita do romance. Há ainda reuniões, elaboração de planos de aula, etc., que desviam o caminho já anteriormente traçado. Stephen Koch, no entanto, lembra que é “um erro fatal permitir que o ofício de escrever e o trabalho diurno se tornem inimigos”. XXXII. Escrevendo mais alguns parágrafos do romance, penso se ele tem algo de autobiográfico. Se tem, qual personagem tem mais a ver comigo? Ou quais as personagens? É necessário também questionar se uma boa obra literária deva se valer de elementos da vida do autor. Silvia Adela Kohan, em Como narrar uma história, afirma: “Ao narrar uma história, partimos de experiências pessoais ou recontamos histórias que outros viveram. Estas experiências são retomadas pelo escritor de modo parcial ou total, de modo consciente ou inconsciente.”. É inevitável a inspiração em fatos pessoais, o que reforça o lugar-comum de que quanto mais velho o escritor, melhor ele é, devido às suas experiências de vida. Se comparo os meus textos adolescentes com os de agora, são notórias as diferenças. (...) XXXV. A escolha do narrador em 3ª pessoa, com o foco em Paula, e não em 1ª, foi feita no sentido de acompanhar as reflexões da personagem, mas ainda assim quis deixar certo distanciamento. Como as ideias de Fred são essenciais, optei não por criar outro narrador, mas reproduzir o que seriam falas e textos da personagem num blogue. Para David Lodge, em A arte da ficção, "a escolha do ponto de vista a partir do qual se conta a história pode ser considerada a decisão mais importante que o romancista pode tomar, pois tem um impacto profundo no modo como os leitores vão reagir, na esfera emotiva e moral, aos personagens e às suas ações". Afirma que qualquer história de adultério, dependendo de que ponto de vista é contada, pode causar impressões diferentes no leitor. Cita Madame Bovary, porém, nos lembramos de Capitu, que Lodge provavelmente não leu. Conhecedor do assunto, Lodge analisa um trecho de Pelos olhos de Maise, de Henry James. Aliás, o título do romance já nos revela o ponto de vista em que vai ser contada a história. (O título do meu romance também poderia revelar isso, mas lembro que os óculos podem não se referir às extensões dos nossos olhos.) São vários adultérios revelados “através do olhar de uma garotinha que sofre todas as consequências dos acontecimentos, ainda que mal os compreenda”. O ponto de vista é da pequena personagem, porém o narrador é em terceira pessoa, como se percebe nesse trecho do romance: “Nem mesmo nos velhos tempos das senhoras risonhas ela vira mamãe rir com tanto desprendimento.” A escolha desse ponto de vista foi importante para retratar a ingenuidade infantil e após passar para o olhar desconfiado do adolescente, depois que Maise cresce. De acordo com Raimundo, o papel do narrador contemporâneo é trabalhar com muitas vozes, diversos narradores, tornando o texto uma experiência mais complexa e, dessa forma, as personagens ganham força. Para ilustrar essa ideia, cita um estudo de Laura Goulart Fonseca sobre Os sinos da agonia, de Autran Dourado, outro criador que teorizou o narrador: "Na vertente dramática do romance contemporâneo, que teve sua origem em Gustave Flaubert, o narrador simplesmente desaparece da cena narrada e passa a mostrar os eventos. O que ocorre é uma teatralização, o leitor vê a cena, como se ela fosse representada em um palco. Os eventos deixam de ser narrados e passam a ser refletidos na consciência da personagem, de modo que o leitor visualiza a realidade ficcional do ponto de vista de um personagem de um romance, e não do narrador, como se observa no romance autoral." Essa ideia norteia a eleição do foco narrativo no romance Os óculos de Paula. Devo, no entanto, tomar certo cuidado, seguindo a orientação de David Lodge, "não há regras nem leis determinando que um romance não possa mudar de ponto de vista quando o autor bem entender; mas se essa decisão não for tomada de acordo com algum plano ou sentido estético, o envolvimento do leitor, o processo em que o sentido do texto se produz, será perturbado." Cassionei Niches Petry |
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