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Quinta-feira, 25/8/2016
A noite em que Usain Bolt ignorou nosso Vinicius
Elisa Andrade Buzzo


ilustra: Renato Lima

Até poucos dias antes do início dos Jogos do Rio, eu ainda não estava no clima olímpico e mantinha certa distância da tão esperada chegada da estrela Usain Bolt, velocista jamaicano. Mas meu maior pecado era ignorar completamente até o final da primeira semana olímpica a mascote dos Jogos; e ainda não saber que tínhamos não apenas uma mascote, mas duas, e incrivelmente bonitas e carismáticas.

No dia 14 de agosto, final dos 100 m rasos masculino, a mais esperada prova das Olimpíadas, as atenções eram todas voltadas a Bolt e à expectativa de um tricampeonato olímpico nessa prova. Antes de ligar a TV eu já estava sentada com um bonequinho do Vinicius, que tinha ganhado naquele mesmo dia. A mascote dos Jogos Olímpicos Rio 2016 era muito cativante e já fui com a cara dela dentro da embalagem de plástico. Demorou bastante para cair a ficha de que seu nome era uma homenagem ao poeta Vinicius de Moraes e que o bicho em equilibradas cores amarelo, verde, azul e laranja era um ser híbrido que “nasceu da explosão de alegria” da notícia dos jogos por aqui.

Mistura de macaco, felino e ave, Vinicius conseguiu um feito digno de medalhista: uma mascote que representa o Brasil, sem ser caricatural e que inspira bom humor e alto-astral. Adjetivos talvez batidos, mas que resumem meu sorriso ao ver a pelúcia pela primeira vez. Assim como a mascote Tom, dos Jogos Paralímpicos, Vinicius tem olhos e boquinhas felizes, e também bochechas coradas, corpo ágil e flexível - um resultado que conectou em minha mente algo tão ou mais significativo do que uma antiga fissura de 1992: a mascote Cobi.

Com o urso Misha, Cobi foi uma das mais populares e bem-sucedidas comercialmente mascotes da história. Cachorro desenhado em estilo cubista, ficou muito tempo no meu imaginário de criança, coisa que talvez tenha sido potencializada com o desenho animado “Cobi, um mascote genial”, que foi ao ar no programa Glub Glub, da TV Cultura. Mais ainda, talvez, com a imagem de uma criança numa arquibancada dos jogos de Barcelona com uma pelúcia da mascote...

O fato é que Bolt venceu a prova dos 100 m há uma semana, na noite do 14 de agosto no Engenhão, estádio tão inacessível para mim quanto a Catalunha. Assim que Bolt inicia sua comemoração, aparece uma mascote Vinicius carregando uma enorme pelúcia de si próprio nas mãos. Seguramente, um presente para ele, pois haveria melhor propaganda para uma mascote do que estar nas mãos do atleta que por certo seria o mais fotografado dos Jogos (e no momento final do evento mais prestigiado)? Em 2012, Londres conseguiu, na mesma final, que a sisuda mascote em forma de gota de aço Wenlock fosse fotografada com Bolt, até mesmo em sua célebre pose de “raio”.

Aquele magnífico Vinicius de pelúcia era uma dez vezes maior do que o meu mirrado exemplar. E a mascote em escala humana aguarda Bolt passar por ela, em sua comemoração pela vitória. Mas Bolt deixa Vinicius no vácuo... Por acaso teria ele tempo ou pensasse em mascotes felizes e infantis diante de tal feito olímpico de homem? Meu peito ficou congestionado. Provavelmente, apenas o meu no mundo todo. A TV mostra lentamente Vinicius ir atrás do “raio”; ele não desistiu de entregar seu presente e ganhar uma foto. Me tranquilizo quando Bolt finalmente dá a atenção a Vinicius, pega a pelúcia e os fotógrafos eternizam o momento. E o que será que ele fará com aquela comprida e incômoda pelúcida nas mãos, não mais gigante do que ele próprio? Olho para meu pequeno Vinicius sentado no sofá, e um novo objeto de desejo se desenha diante de minha atenção. A pelúcia é deixada com uma jamaicana na arquibancada, para meu desespero imenso.

Aproveitemos as horas finais das Olimpíadas como esses seres felizes e empolgantes que boa sorte trazem, e que não se abatem por nada nesse mundo, mesmo quando são ignoradas, em um singelo e marqueteiro oferecimento, pelo homem mais rápido do planeta. E que tenhamos uma dose de otimismo necessária para sermos fortes e virar o jogo em qualquer nível, federal ou pessoal. De todos os modos, agora tenho minha própria mascote olímpica, e isso não é pouco para uma ex-criança aficionada por esportes que já tinha se esquecido do encanto dessas criaturas.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 25/8/2016

 

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