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Quinta-feira, 8/12/2016
O túmulo do pássaro
Elisa Andrade Buzzo

Uma pequena sepultura jaz aberta defronte minha janela. Nela foi se enrijecendo como pedra o corpo cinzento de um pássaro. Sim, um túmulo logo aqui em frente, não tendo um esquife para seu corpo, sendo este último a dura estátua de seu próprio diminuto monumento.

Apenas eu tenho acesso a esse local, configurando numa espécie de cemitério particular. Esse corpo está inacessível, no pequeno vale da morte moldado pelo homem, a junção destrambelhada dos fundos de vários prédios e casas antigas abandonadas. Nos velhos telhados, alguns panos brancos e um sutiã preto há muito esquecidos. Nada disso a alguém faz falta, e mesmo que fizesse não seria possível um resgate.

É lá onde, discretamente e às escondidas, alguns animais se abrigam no dia a dia. Local resguardado para a vida e a morte dos pássaros. Encimando o muro, que delimita essa área privada, de blocos aparentes caiados há tantas décadas, uma fileira de cacos de garrafas, transparentes, verdes e marrons, como ocorriam em outros tempos.

O pássaro cinza está com o bico em riste, apontado para o céu. As pernas finas também, muito duras, com os dedos amarelos bem abertos. Espanta a rigidez que pode ser alcançada por seres antes tão maleáveis e flexíveis. A cada dia, mais hirto vai se tornando aquele corpo – se pode então perguntar, que será dele daqui a alguns meses, alguns anos? O que será da liberdade após a morte?

Mas os ventos fortes de uma chuva de verão antecipado levou o pequeno cadáver companheiro. O pássaro e seu túmulo, tão breves e leves como a vida, dessa janela, que dá para esse vão, e me oferece uma nesga de sol que a brisa ondula; louca perspectiva entremeada em sombras.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 8/12/2016

 

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