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Quinta-feira, 22/12/2016 Neste Natal etc. e tal Elisa Andrade Buzzo Neste Natal, não faça nada, mas não desfaça os sonhos de alguém; principalmente os de uma criança. Isto, que pode parecer pouco, já é muito. Ou seja, não interfira negativamente, não ponha em dúvida capacidades alheias. Incentive, olhe com olhos amorosos. É tocante a confiança que uma criança coloca em um adulto. Ela ainda não tem noção dos meandros todos, ainda que já sinta quando há algo errado, fora do lugar, descrente de si. Quando a confiança em alguém se vai, é como se algo tivesse se quebrado em pedaços, cujas partes não poderão mais se unir com certitude. Pior ainda é quando a confiança em si mesmo é afetada por causa de atitudes ou palavras dos outros. Talvez não fosse Natal, mas umas das músicas num exame de conservatório era “Jingle bell”. Por trás, entre nuvens de fumaça, a professora e uma aluna mais velha, quase em silêncio, riam com pouco caso da apresentação. O espírito desta época de Natal é o oposto disso – e ao mesmo tempo algo bem parecido com outra professora e o ambiente das aulas em sua casa, dona Lídia. Enquanto não me lembro de absolutamente nada do repertório da outra professora, fora a música natalina e o constante cigarro, das aulas de dona Lídia ficaram na memória todo um colorido de notas, partituras... O caminho, a bolsinha com caderno e partituras a tiracolo, a escadaria do prédio, o porteiro enfunado atrás da mesa, o elevador, o mofo das cortinas em tema floral, o busto de Beethoven, o banco giratório estofado, a Marcha Turca, o Pequeno Livro de Ana Magdalena, uvas verdes, rosquinhas num pires, Olhos Negros, o quarto todo cor-de-rosa da filha Raquel, o tampo da privada com uma borboleta e flores de verdade, o forte sotaque nordestino no Bom Retiro. E tantas outras sensações bem marcadas na memória infantil. Então, neste Natal, que o sino siga soando, pois tudo o mais são quaisquer outras coisas; o importante é dar às crianças sonhos, cores, ternura, afeto e rostos verdadeiros. Elisa Andrade Buzzo |
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