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Terça-feira, 13/12/2016
Metallica e nostalgia
Luís Fernando Amâncio

O ser humano é um bicho fundamentalmente nostálgico. E por mais que estejamos numa planície, com água fresca e sombra, conseguimos ser saudosos e sentir falta daquilo que já passou. Que sequer é o passado real, mas um pretérito idealizado, com as cores da nossa capacidade de nos sabotar. Em resumo, a grama do passado é sempre mais verde do que a do presente.

A nostalgia é um sentimento complexo e pode ser interpretada de várias formas. Na medida em que envelhecemos, por exemplo, me parece bastante compreensível sermos nostálgicos sobre elementos que nos remontam aos dourados anos da juventude. Responsabilidades, dor nas costas, reforma da previdência, decepções, colesterol alto… não é muito difícil encontrar motivos para ter saudades de outros tempos.

A indústria do entretenimento, que não é nem um pouco desatenta, sabe bem como se aproveitar desse sentimento. Vivemos, dizem por aí, uma “retromania”. O que pode ser observado no cinema através dos frequentes remakes e o recente revival de franquias (Star Wars, Star Trek, Mad Max, Tartarugas Ninjas…). Nas séries, houve a volta de títulos como Gilmore Girls, Arquivo X e Full House (agora Fuller House), todas recebidas com boas audiências. Por outro lado, Stranger Things, uma das novidades mais comentadas do ano, traz como identidade referências aos anos 1980.

Na música, a nostalgia move há anos o entusiasmo de milhões de fãs. Todo ano, há dezenas de turnês de reuniões de bandas rodando o globo. Aerosmith, Whitesnake, Guns’n Roses e Black Sabbath, por exemplo, passaram recentemente pelo Brasil e, por mais que possa ocorrer alguma renovação em seu público, estamos falando de bandas que viveram seu apogeu há décadas.



É nostalgia, também, o que o ouvinte encontrará no cd Hardwired… to Self-Destruct, lançamento mais recente do Metallica. E se trata de um álbum de músicas inéditas, vejam bem. Só que, neste caso, estamos falando de um lançamento jovem com perfil de velho. O que aqui é um elogio. O Metallica acumulou inúmeras críticas sobre seus trabalhos anteriores por desviar da sonoridade que o tornou célebre. Seu cd anterior, Death Magnetic (2008) já representou, de alguma forma, uma correção nesta trajetória. Desta vez, porém, o quarteto de Los Angeles entrou de vez na direção da qual a imensa maioria de seus seguidores gosta. Hardwired é um álbum de heavy metal clássico, pesado e rápido, com momentos que lembram os primórdios do Metallica.

James Hetfield apresenta uma voz bem mais limitada do que no início da carreira, o mesmo valendo para as qualidades nas baquetas de Lars Ulrich. Ambos, entretanto, assumiram a direção criativa do álbum e foram eficientes em suas funções. Se Robert Trujillo (baixo) e Kirk Hammett (guitarra) foram menos participativos na composição das músicas, não deixaram de desempenhar seus papéis de forma satisfatória.

Segue uma rápida análise das faixas – quem não quiser lê-la, pode pular este e o próximo episódio e ser feliz na conclusão. “Hardwired”, a primeira música, é um belo cartão de apresentação. Direta, rápida, inclusive em duração, o que vinha sendo um problema nos últimos álbuns do grupo. Um belo começo. “Atlas, Rise!”, na sequência, é menos homogênea, mas não compromete. “Now That We are Dead” tem uma interessante linha de bateria, ponto para o tão contestado Lars. O que falta, na música e no álbum como um todo, é um refrão mais carismático. “Moth Into Flame” é um single que joga para a torcida, para agradar a multidão saudosista. “Dream No More” lembra o clássico “Sad But True” e também, de certa forma, a fase Load e Reload. “Halo on Fire”, mais lenta, tem um tom grandioso e é bem construída.

O segundo cd – sim, vejam que nostálgico, é um cd duplo! - começa com “Confusion” que me parece, de fato, um pouco confusa nas suas alternâncias de andamento. “ManUNkind” tem riffs que traduzem bem o DNA da banda. “Here Comes Revenge” tem um começo que até lembra “Harvester of Sorrow”, mas em suas mudanças de ritmo acerta o ponto no refrão. “Am I Savage”, na minha opinião, cairia fora se o álbum não fosse duplo – outra que lembra um pouco os tempos de Load e Reload. “Murder One”, que homenageia Lemmy Kilmister, do Motörhead, em seu clipe, tem a força que o homenageado merece. Por fim, “Spit Out the Bone” é uma despedida em alto ritmo, um encerramento em grande estilo.



Hardwired… to Self-Destruct não vai colocar o Metallica na lista das bandas mais influentes do 2016. Não vai catapultar a banda para a playlist da MTV, se é que alguém ainda se importa com a Music Television. O cd também não será um marco na história do rock. Será, entretanto, um conforto para aquele fã faminto pela energia do Master of Puppets (1986), do Ride the Lightning (1984) ou do Black Album (1991), estes sim, marcos fundamentais do heavy metal. Um conforto bastante digno, eu diria.

Quando o presente está tenso – na música, na política, no diabo a quatro – e o futuro parece ainda mais tenebroso, cabe ser nostálgico e relembrar o passado. Sejamos, portanto, felizes com o novo álbum do Metallica.

Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 13/12/2016

 

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