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Sexta-feira, 10/3/2017 Meu querido aeroporto #sqn Ana Elisa Ribeiro O piloto... Dez minutos, quinze, meia hora. É... o voo está atrasado. Não apareceu na telinha ainda, mas está. Muita gente no salão. Crianças, bebês, senhoras, casais. Antes sossegados, agora já batucam com os pezinhos. Impacientes. O inglês casado com a brasileira magrinha faz esforço para olhar os peitões da moça à sua frente. Esforço para não ser notado pela esposa. Foi divertido observá-lo. E fiquei pensando em quanta confusão eu poderia instilar. Viagens. Ninguém assumiu ainda, mas o voo está atrasado. As pessoas começam a conversar, comentar, fazer amizades que durarão meia hora. Há sempre alguém - geralmente advogado(a) - que vem ensinar aos demais como processar uma companhia aérea. Oficina de processo bem na minha frente. Pode ser útil. Meia hora. Quarenta minutos. Nada. As pessoas começam a pagar cafés e capuccinos de dez reais na lanchonete estrategicamente colocada ali. Ninguém vem dizer o que está havendo. Quase uma hora depois do horário que estava no cartão de embarque, aparece uma moça com o uniforme da companhia aérea. Ela vai para o balcão, ao lado do portão, e mexe no microfone. Desiste. Passa a conversar com alguém pelo walkie-talkie (meu sonho de consumo na infância, ah!). Uns passageiros começam a falar com ela, pressionando sobre informações do voo. Ela sorri. Aprendeu isso no treinamento. As pessoas querem saber. E começam a aparecer histórias particulares, necessidades, urgências. Alguns passageiros já estavam ali remanejados de voos anteriores, cancelados. Mau tempo? Aeronave em manutenção? O que mais? Vai sair ou será cancelado também? As vozes das pessoas já não estão normais. Lá pelas tantas, uma mulher mais inflamada pede explicações de um jeito assertivo. A moça da companhia aérea responde alto, para todos: - Senhores, está tudo certo. A tripulação está aqui, os passageiros estão aguardando, só falta o detalhe do piloto. Estamos esperando o piloto. Ele deve estar em deslocamento. Só o piloto. Falo pro meu pai, pelo Whatsapp: pai, o piloto sumiu. Ele responde, em gravação de voz: pelo menos não foi durante o voo. Risadas. Risadas. Mais alguns minutos e vem outra mensagem pelo Whatsapp: - E aí? O piloto apareceu? Com estas novas tecnologias, vai ver nem precisa mais de piloto. O avião pode voar sozinho! Achei melhor não. Respondi: - Pai... não sei. Vai que é Windows e, de repente, vem uma mensagem assim: Este programa executou uma operação ilegal e será fechado. Risadas. O piloto sumiu. Alguém aí tem brevê? Pilota aeronaves? É viciado em videogames e simuladores? Uma hora e meia depois, surgiu um piloto para nosso avião. No momento em que a mocinha pegou o microfone e anunciou o embarque, quase cuspi meu capuccino de 10 reais. A multidão no salão emitiu um: - Aêêêêêê! - alto, bem alto, reação de estádio. Todos aliviados, nervosos, tensos, aliviados de novo. Pronto, vamos embora. Cada um com suas necessidades e urgências. Não vimos a cara do piloto, nem na saída da cabine, depois do pouso macio. Eu teria me despedido: Tchau e obrigada, senhor Windows. Meteoro da paixão Não tinha mais espaço para minha mala de mão na cabine do avião. Olhei daqui e dali, em fração de segundo, e não vislumbrei nada perto da minha cadeira. Acho que alguns perceberam minha cerimônia em ajeitar pacotes dos outros para enfiar meus pertences. Um senhor me deu um toque: - Tem lá atrás, ó. Eu te ajudo, quer? Enquanto isso acontecia, eu sustentava minha mala meio no ar, em cima da cabeça de uma senhora, que olhava tudo amedrontada. Alertei: - Uai, o senhor põe lá? Mas a mala tá pesada... Ele duvidou, tenho certeza. Olhou incrédulo pra mim, com um sorrisinho meio faceiro por baixo do bigodón. Eu avisei de novo: - Moço, tá pesado, é livro. Tá cheio de livro aí dentro. Ele disse um "que nada" e pegou minha mala. Quase a deixou cair na cabeça da dona. Rolou um pânico rápido. A senhora pôs as mãos pra cima, como se fosse segurar um meteoro. Nada demais. Mas ela me odiou, eu sei. Enquanto eu me sentava, o senhorzinho voltou, dizendo que não conseguiu levantar a mala e que havia pedido a um rapaz mais jovem. Olhei lá atrás, quase discretamente. Vi minha mala de lado, meio tampada já por umas bolsas. Tudo certo. Depois que se ajeitou na cadeira e apertou o cinto, o senhor olhou pra mim, sorridente, pra dizer: - Menina, mas você lê demais, hein! Como pode? - É, moço, tem que ler, né?... Respondi pra desconversar. Éramos três passageiros em linha: eu na janela; uma moça no meio; o homem no corredor. Mal me recostei na cadeira, a moça do meio sacou um livro e começou a ler, em italiano. É, moço, tem que ler... Ana Elisa Ribeiro |
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