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Sexta-feira, 25/8/2017
Fake news, passado e futuro
Luís Fernando Amâncio

Certa vez, me permiti assistir a um documentário sobre a existência de sereias no Discovery Channel. A teoria do documentário, baseado em evidências científicas, supostamente, dizia que uma ramificação dos primatas teria se adaptado à vida aquática. Mas, após insistentes intervalos, animações em computação gráfica de má qualidade e a opinião de especialistas nada convincentes – a dublagem pode ter culpa – o documentário terminou com uma mensagem de que tudo não passava de ficção. Que poderia ser substituída por “enganei o bobo na casca do ovo”.

Infelizmente, o tal documentário não é um caso isolado. É cada vez mais comum que ficções circulem com roupagem de notícia, só que sem mensagem no fim desmentindo seu conteúdo. Isso ganhou até um termo, fake news. E, acredite, quando uma notícia falsa circula, as pessoas não estão se divertindo com seu teor ficcional. Elas estão acreditando com todas as forças. Passou o tempo em que mentira tinha perna curta. Hoje, ela tem milhões de compartilhamentos.

Vivemos a era da pós-verdade. Não importam fatos ou apuração de fontes. Se algo é dito com convicção, é válido. A internet, infelizmente, tem se mostrado um terreno fértil para esse comportamento. Você pode estar certo ou errado, não importa. O que vale é o tom, é “lacrar” e ganhar montagem com óculos escuros e a música “Turn down for what”.

Pode parecer inofensivo se pensarmos que fake news são só notícias como “Homem morre ao fazer sexo com cobra de estimação” ou “Chupa-cabra é fotografado em fazenda do interior de Goiás”, apelos de sites sensacionalistas desesperados por cliques – e renda. A desinformação viralizada, porém, é o combustível da pós-verdade. Um perigo sendo habilmente manuseado, por exemplo, no debate político. Donald Trump não foi eleito por acaso.

Vejamos, por exemplo, uma recente polêmica nas redes sociais: classificar, após o massacre de Charlestone, o Nazismo como um fenômeno político de esquerda. Não há fundamentação teórica alguma para uma afirmação dessas. Na academia ninguém questiona isso. Não há um pesquisador sério que vá nesse sentido – pesquise antes de atacar.

Para se ter uma ideia, o argumento mais comum dessa sandice é dizer que o partido de Adolf Hitler se chamava Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Logo, se tem “socialista” e “trabalhador”, só pode ser coisa de esquerdista, esbraveja o “humano da pós-verdade”. Simples assim, para quê complicar? Pouco importa que o Nazismo tenha perseguido comunistas, não pretendia fazer distribuição de renda e, avesso ao internacionalismo, perseguia minorias, como os judeus.

Não vou me estender sobre esse debate – não vale a pena. Sugiro ao leitor, entretanto, o ótimo vídeo do canal Coisa de Nerd. É bem didático. Podemos ver que oyoutuber a quem são dadas as respostas atua como um típico “humano da pós-verdade”: com embasamento crítico paupérrimo, construído em citações rasas e fora de contexto. Mas ele tem muita convicção de estar certo.



Ao que tudo indica, a internet, depois das fake news, inventou a fake history. Com base em revisionismos e muita parcialidade, tudo é possível. Inclusive mudar um fenômeno político de extrema direita, como o Nazismo, de lado.

Se as notícias sobre o presente são fake, se a história é fake, o que será do futuro? A princípio, eu pensava que seria algo no estilo do filme Mad Max, com desertos e visual punk. Mas atualmente chuto que o futuro será pior: os eleitores do Bolsonaro deixarão de ser apenas avatares comentando notícias nos grandes portais e estarão por todos os lados no mundo real. Em resumo, o futuro, no mundo da pós-verdade, é tenebroso.

Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 25/8/2017

 

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