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Quinta-feira, 22/5/1980
Apresentação; ou, O prazer foi meu
Eduardo Carvalho

"Maio sois e maio continuareis. O uso grosseiro de vossa vida não lhe corromperá de todo a limpidez original ; se um dia matardes, se vos venderdes à política, se vos tornardes a vergonha da pátria, ainda assim o lado maio de vossa fisionomia continuará indelével, e fará com que se murmure: 'Coitado! apesar de tudo, nasceu em maio.'"
Carlos Drummond de Andrade, em "Carta aos nascidos em maio"

Nasci um bebê magrinho e peludo, em 22 de maio de 1980. Ainda bem que era homem. É difícil um bebê nascer tão feio que, em vez de elogios, a mãe receba consolos: "Isso cresce", diziam. Lavei o rosto, fiz a barba e, vinte e um anos depois, saí na foto acima. Mas não mudei muito, e ainda não consegui ajeitar o cabelo enrolado. Mas o pessoal que me viu pequenininho, para alívio dos meus pais, não estava mentindo.

Cresci, como muita gente da minha idade, ouvindo e lendo os comentários do Paulo Francis. Talvez eu devesse ter levado algumas de suas opiniões menos a sério, mas o seu estilo era irresistivelmente claro e engraçado. Especialmente para mim, aos quinze anos, tentando escapar das estatísticas desse crescente analfabetismo funcional. Era um alívio saber que livro não precisa ser chato - e ele recomendava os que não eram. Que os filmes que estavam no cinema não eram os únicos que valiam a pena serem assistidos. Que as músicas que insistem em tocar no rádio não são necessariamente as melhores. Que essa vida que eu suspeitava insuportavelmente monótona e provinciana era, realmente, monótona e provinciana. Mas ela não precisava ser assim - não, ao menos, a quem não quisesse que fosse.

E eu não queria. A realidade, com todos os seus problemas e limitações, se impõe - e parece incontornável. Mas li encantado, ainda nessa idade, "O Fio da Navalha", de Somerset Maughan, que Francis disse ter devorado extasiado. Era o que eu precisava. Foi uma maravilha acompanhar as aventuras de Larry, o personagem principal, pelo mundo, trabalhando em uma mina de carvão na Alemanha, morando em um apartamentinho em Paris, visitando mansões na Riviera Francesa, lavando pratos na Índia. Ainda que não pretendesse seguir exatamente os passos do personagem, descobri, ao mesmo tempo, uma inesperada capacidade de imaginação provocada pela literatura, e que existem mais alternativas para levar a vida do que eu suspeitava. Foi marcante.

Eu nunca fui bom aluno. Pelo contrário: precisei até, do primeiro para o segundo colegial, mudar de escola para não repitir de ano. O resto, passei raspando. Muita gente ainda não acredita que eu tenha me dado bem no vestibular. Nem eu, para ser honesto. Mas fiz um importante exercício de perseverança e, estudando aquele mínimo necessário, passei. Agora, estou no meio do curso de administração de empresas. Tento relevar os problemas com o curso me convencendo de que, no fim das contas, ele é útil para tudo. E é mesmo. Depois de algumas crises, pretendo, agora, enfrentá-lo até o final. E seguir, provavelmente, para o mercado financeiro.

Mas eu já quis ser tudo: tenista, advogado, diplomata, marinheiro, historiador, jornalista, fazendeiro... A ilusão de que é possível viver como escritor, se durou uma semana, já acabou. Isso não é brincadeira. É muito mais difícil do que eu imaginava. Não adianta: você pode até se esforçar, mas há, sim, um limite intransponível: o da vocação. E eu reconheço que não nasci pra isso. Prefiro levar esse hábito, o de escrever, na brincadeira.

Como a vida, aliás. Me incomodo com essa arrogância intelectual emburrada e, por mais que insistam no contrário, alienada. A imaginação é maravilhosa, mas é preciso tomar cuidado: combinada com burrice, vira ideologia. Estou fora. Não há como viver a vida a não ser, gostando ou não, como ela é. E ela não é perfeita. É preciso ser tolerante, e saber encontrar, nos cantos do mundo, algo que nos distraia e nos agrade. Prefiro contemplar a beleza colorida das asas de uma borboleta a me desgastar discutindo a relevância de um entediante tratado acadêmico. Tento me divertir.

E manter um mínimo de cordialidade nas relações pessoais. São elas que contam, nas horas incertas. Fui, no geral, bem recebido. Inclusive aqui no Digestivo. Não tenho muito do que reclamar - apenas o suficiente para preencher algumas colunas. Mas vou tentar, prometo, compartilhar com os leitores o que, com o tempo, fui encontrando por esses cantos. Não é muito. Apenas pequenos prazeres que, para mim, fazem com que a vida, apesar de tudo, continue viável.

PS: Para mais textos, acesse meu blog.

Eduardo Carvalho
São Paulo, 22/5/1980

 

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