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Terça-feira, 18/9/2018 Gosta de escrever? Como não leu este livro ainda? Renato Alessandro dos Santos Você pode ter vários motivos para ler Paris é uma festa: uma viagem que se aproxima para a Europa; conhecer a Geração Perdida; descobrir mais sobre os escritores americanos que foram morar lá; passar algumas horas agradáveis com um bom livro... Quaisquer que sejam os motivos, nenhum me parece mais apropriado do que lê-lo a fim de tomar notas sobre a arte de escrever, como se você fosse um aspirante a escritor. Vale dar uma chance ao velho Ernest, mas, se não gostar do livro, sempre há o piparote de Brás Cubas a quem quer desfazer-se das coisas que desativam a vida. Em uma época como agora, quando as redes sociais servem de tribuna e auditório àqueles que dominam os descaminhos da escrita, os que, além de atravessar um bom livro do início ao fim, pretendem dominar técnicas de diálogos, de como escrever contos, de como lidar com outros escritores, bem, esses tendem a ser os leitores ideais de Paris é uma festa, esse pequeno romance de Hemingway, escrito em San Francisco de Paula, Cuba, em 1960, décadas depois dos acontecimentos ali narrados, mas que ao lado de um filme como ½ noite em Paris preenche o imaginário de leitores que hoje querem saber mais a respeito dos escritores expatriados que beberam, dançaram, atiraram-se no rio Sena e, em seguida, regressaram para casa, do outro lado do oceano, sem nunca abandonar a luz da cidade, até porque Paris is a moveable feast. O autor, ou melhor, seu narrador, adverte que o romance pode ser lido como um trabalho de ficção, ou não, porque os personagens têm seus nomes verdadeiros e trata-se de fatos ocorridos com ele e com seus amigos. Acompanhamos Hemingway morando razoavelmente bem em Paris. Ele não tem dinheiro que sobre, mas vive feliz com a esposa em um apartamento, ocasionalmente com uma chaminé entupida e sem banheiro. Tem, às vezes, por falta de dinheiro, de pular uma refeição e, por isso, quase sempre faminto, deixa referências à comida, que aparecem a todo instante diante do leitor, o que é um prazer, porque há sempre uma pequena alegria ao se ler que alguém colheu o fio de azeite de um prato com um pedacinho de pão; sem contar o vinho, consumido como a água, o suco, o refrigerante e a cerveja de nossas refeições brasileiras de cada dia. Há a sofisticação de Paris, escritores por toda parte e curiosamente, como em O sol também se levanta, nada de guerra, o que é estranho, porque essa mesma guerra anos antes havia varrido a autoestima europeia para baixo do tapete. Em vez disso, literatura. Brito Broca, nosso retratista da vida literária brasileira, se tivesse sobrevivido ao besta atropelamento do qual foi vítima, teria ficado espantado e orgulhoso com a destreza de Hemingway. Lemos sobre a livraria de Silvia Beach, a Shakespeare and Company, onde era possível os cotovelos roçar com James Joyce, Ezra Pound, Hemingway antes da fama, e expatriados, Fitzgerald, Ford Madox Ford ― e sobre Gertrude Stein e a forma como captou aquela geração, descrevendo-a como une génération perdue. Tal sugestão ocorreu a ela depois que um velho Ford T fora maltratado numa oficina por um mecânico atabalhoado, o qual foi repreendido pelo chefe, que de graça sugeriu o bordão à perspicácia de Stein. Vemos a indelicadeza de Hemingway com Ford Madox Ford, a quem despreza, ou por outro lado sua devoção hagiográfica a Ezra Pound. É muito prazeroso ler sobre a viagem, infelizmente malfadada, que Hemingway e Fitzgerald fizeram ao interior da França logo ao início da amizade entre ambos. O autor de O grande Gatsby não foi poupado e surge como alguém a quem um único copo de vinho era sinônimo de encrenca, tal o estágio de sua relação com o álcool... Lemos sobre a loucura de Zelda tão logo a doença passe a brilhar em seus olhos. Por sua vez, muitos leitores podem decepcionar-se com a suposição de que todos aqueles escritores só bebiam e se divertiam. Não era bem assim. Hemingway levava a literatura ao primeiro plano de sua vida. Não bebia antes de escrever e cuidava de seus contos com devoção, algo que fez dele um mestre no gênero. Finalmente, voltando ao início deste texto: quem gosta de literatura, de escrever contos e, com isso, vive submerso em aspirações literárias, deve seguir os passos deixados pelo autor neste livro. Terá muito a ganhar: a prosa de Hemingway, uma das pontas de lança da geração perdida, ainda continua uma festa. Como Paris. Renato Alessandro dos Santos, 46, é autor de Todos os livros do mundo estão esperando quem os leia (Engenho e arte), seu mais recente livro. A ilustração é de Helton Souto. Este texto que lê aqui faz parta da obra, que pode ser adquirida pelo e-mail do autor ([email protected]). Renato Alessandro dos Santos |
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