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Sexta-feira, 21/6/2019 Manual para revisores novatos Ana Elisa Ribeiro Tripulação, check de portas. Um voo de Belo Horizonte até Salvador dura cerca de uma hora e meia. Foi o tempo que eu levei para ler o Manual de sobrevivência do revisor iniciante, de autoria da revisora Carolina Machado, conhecida no campo pelo blog Revisão para quê? O volume vermelho-sangue de 120 páginas foi lindamente publicado pela Moinhos, editora sediada na capital das Minas Gerais e de espírito combativo. Uma bela sacada alçar os textos do blog ao livro bem editado. O Manual está sabiamente dividido em seções breves e subtituladas. É fácil encontrar o socorro nele. São mais ou menos dez “capítulos” subdivididos em muitas seções temáticas, como “Campos de atuação”, dentro da qual encontramos “Revisão de textos publicitários”, Revisão de textos acadêmicos”, “Revisão editorial”, etc. Há ainda prefácio, notas, referências e outros paratextos, todos bem úteis também. Como era de se esperar (era?), Carolina Machado tem um texto simples, ágil, fácil. Isso é, para mim, um elogio enorme. Ela consegue a sutileza de mostrar e ensinar sem tom arrogante ou prescritivista demais, além de ter boas sacadas ao passear nos limites entre a academia e o mercado. Minha expectativa ao tomar o livro nas mãos foi, primeiro, a mais comum: deve ser um manual de português, algo parecido com uma gramática mastigadinha ou um dicionário para preguiçosos. Não, não era. O Manual é mesmo um manual de sobrevivência para quem começa na profissão de revisor, sem saber como iniciar as atividades, como fazer sua propaganda, como revisar pela primeira vez, que tipo de formação pode ser desejável, aspectos de networking, marketing pessoal, tipos de demanda possíveis, toques de ética profissional, “causos” de revisora mais experimentada e dicas de bibliografia útil. Pensando retrospectivamente, de tempos em tempos sai um manual, mas geralmente eles são de outro tipo. O livro que conheço que pode se assemelhar a este de Carolina Machado é sobre design ou para designers: O valor do design, assinado por Márcia Camargos e Vladimir Sacchetta, subtitulado “Guia ADG Brasil de prática profissional do designer gráfico”, publicado pela Associação de Designers Gráficos do Brasil e pela editora do Senac SP, já para lá da quinta edição. É um respeitável manual de como ser profissional do design por aqui e bem mais robusto que o Manual de sobrevivência do revisor iniciante. Já sobre revisão, vários livros circulam em português, e são alguns exemplos: O Manual de estilo gráfico, de Álvaro Antunes, publicado nos anos 1970 pela portuguesa CETOP, mas que andou por terras tupiniquins até há pouco; O livro: manual de preparação e revisão, de Ildete Pinto, publicado pela editora Ática na década de 1990; da mesma década, Preparação e revisão de originais, de Henry Saatkamp, pela Age, de Porto Alegre, e o Manual de redação e revisão, de João Bosco Medeiros, pela Atlas; o Manual do revisor, de Luiz Roberto Malta, nos anos 2000, pela WVC; e uma infinidade de livros de dicas de língua portuguesa ou de bem escrever, como é o caso de Para escrever bem, de Maria Elena e Maria Otília Bocchini, pela Manole em 2006, adotado até mesmo pela editora Abril em seus famosos treinamentos, ou obras de caráter mais científico, tais como o excelente Como facilitar a leitura, de Lúcia Fulgêncio e Yara Liberato, pela editora Contexto, nos anos 2000. À exceção da última, essas obras, no entanto, têm a característica de se aproximarem, mesmo que minimamente, de conteúdos de gramática normativa ou de ensinarem a revisar, propriamente, prescrevendo ou dando “dicas” de como proceder em caso de dúvida. Em raras situações essas obras abordam questões de profissionalização, de empreendedorismo ou de cobrança pelos serviços prestados, por exemplo, elementos que Carolina Machado traz, sem pudor, em seu Manual. Trata-se, portanto, e assumidamente, de um manual de como ser ou se tornar um revisor profissional, e não de um guia de língua ou de texto, embora estejam presentes aqueles sinais padrão de revisão segundo a ABNT. O recado de Carolina Machado está bem dado. Provavelmente, seu Manual não causará surpresa em revisores mais experimentados/as, que já tenham passado por todas as agruras dos começos de profissão e por dúvidas que ela já trata de dirimir. Se me lembro bem, a cobrança pelo serviço era uma das mais frequentes dúvidas de quem se insinuava na área. Fiquei me lembrando de mim mesma, antes de decidir pela lauda padrão de 2100 caracteres com espaços e de ter de explicar por que os tais espaços contam. A diversidade de textos para revisar e as diferentes posturas do revisor ou da revisora ao lidar com eles são ponto interessante do Manual de sobrevivência... Em vez de vir com a ladainha do senso comum de que revisores precisam saber gramática e aplicá-la, a autora defende, o tempo todo, a necessidade de o/a revisor/a dançar conforme a música, adotando posturas diferentes conforme o gênero de texto com que trabalha. Depois de uns anos e de algumas quedas, sabemos que revisar uma peça de propaganda de margarina é bem diferente de revisar uma tese de doutorado em Física. Estas 120 páginas bem editadas pela editora Moinhos podem mesmo socorrer os iniciantes na arte de tratar textos ou até aqueles que perdem a prática por conta de longos intervalos. Parte do que Carolina Machado diz em seu Manual pode precisar de atualização, caso algumas tecnologias mudem, em especial quando menciona aplicativos, programas e plataformas especializadas, mas o/a leitor/a será capaz de se adaptar. O principal, que é como entrar na rede dos profissionais e se aprumar, está lá, valendo para muito tempo. Ana Elisa Ribeiro |
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