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Sexta-feira, 22/11/2019
Melhor que muito casamento
Ana Elisa Ribeiro

Estou aqui há 16 anos. Aqui, sim, nesta coluna. Nem sempre na sexta-feira, mas talvez mais nela do que em outros dias da semana. Sim, há 16 anos escrevo "crônicas" para o Digestivo, a convite do Julio Daio Borges, ou simplesmente Jui, atingindo leitores/as que raramente se revelam. De vez em quando se manifestam e ficam amigos, em raríssimos mas existentes casos.

O painel do Digestivo conta diferente de mim. Aqui nos bastidores, eu consigo saber que foram 1.347.069 acessos desde novembro de 2002, o que deve corresponder ao primeiro momento em que postei um texto neste template. Tal texto só deve ter ido ao ar duas semanas depois ou é justo aquele texto inaugural que traz a data do meu aniversário. Talvez seja isso. O fato é que se eu e o Digestivo Cultural namorássemos, teríamos de negociar a data de aniversário do consórcio. Ou cada um faria seu jantar solo à luz de velas.

Cada um, cada um

Cada colunista aqui tem sua história. Como 16 anos não são 16 dias, vi muitos nomes virem, sumirem, voltarem ou não, nesta listinha à esquerda. Alguns desses nomes conheci pessoalmente, mas bem poucos. Outros se transformaram em colegas de coluna, com algum sentimento de proximidade, mesmo não nos tendo visto de perto jamais. Aliás, encontrei o próprio editor pouquíssimas vezes, nos telefonamos mais algumas raras, em especial em momentos de crises pessoais aqui e lá, mantendo sempre um sentimento de amizade que independeu da presença física.

No início...

Júlio Daio Borges sempre foi um cara antenado. Lá nos idos de 2001, 2002, ele recebeu um jornal impresso de uma faculdade de Comunicação aqui das Gerais. E era nesse número que eu figurava como poeta, numa matéria até grandinha, com uma foto de impor respeito. O editor do DC me procurou na internet (ainda sem Google) e topou com meu finado blog, o Estante de Livros, que fazia relativo sucesso no jurássico internético. Nesse blog, eu me atrevia a escrever contos curtos, resenhas de livros muito contemporâneos e a publicar entrevistas com autores em começo de trajetória (a maioria hoje bem badalada).

Não foi difícil estabelecer um contato mais firme. Júlio me enviou, talvez, um e-mail (provavelmente no Hotmail ou na conta de um outro site que eu tinha, o Patife) e me perguntou se eu gostaria de escrever semanalmente para o Digestivo. Bom, eu adoro um desafio, ainda mais se for na escrita.

O DC não era desconhecido para mim. Meu amigo e colega de trabalho Lucas Junqueira já havia defendido uma monografia de especialização sobre o site do Júlio. Eu sabia um pouco da história do Digestivo e da vibe que rolava por aqui, à época. O site não tinha uma cara muito diferente do que tem hoje e eu espiava o que era escrito, quem circulava por aqui, etc. Minha experiência com colunas periódicas era curtíssima (uma passagem rápida pela Carta Maior), mas eu morria de vontade de ter um espaço virtual onde aprender e exercitar este lance intenso de escrever sempre.

Só impus uma condição ao Júlio: escrever o que eu quisesse. Sem pautas, sem comandos autoritários, etc. E ele topou. Me entregou o pedaço de terra sem pestanejar. Mas avisou: de vez em quando, conforme a ocasião ou a oportunidade, posso te pedir que escreva algo mais temático, a fim de que você participe de algum especial, mas nada demais. E você só vai se quiser. E várias vezes eu quis.

Liberdade

Lidar com a liberdade: sonho desde menina. Coisa ótima compor o elenco do site, angariando assunto onde quer que fosse. Um motivo a mais para estar sempre atenta a tudo, à conversa alheia, às leituras sempre sem inocência, ao dia a dia, aos discursos e aos silêncios. Uma beleza. De semana em semana eu precisava preencher, com no mínimo 5 mil caracteres, esta folha em branco que se abria, inclusive com alguns códigos html.

E o tempo passou. Os assuntos às vezes se repetiam, mas foi possível escrever, por mais de década e meia, sobre muita coisa, para muita gente que teve a paciência e a generosidade de ler. Deixei de ser semanal para ser quinzenal, lá pelas tantas. E depois fui ficando frouxa, espaçando mais os textos, mas sem abandonar o posto. É uma conquista, não uma obrigação.

Livros

Desta vida de 16 anos no DC, fiz brotarem dois livros de crônicas: Chicletes, Lambidinha e outras crônicas e Meus Segredos com Capitu, ambos no aniversário de dez anos da empreitada, pela maravilhosa Jovens Escribas, editora pequena e corajosa de Natal, RN. Belos livros, que fizeram relativo sucesso com leitores/as, esgotando-se as duas tiragens, sendo uma vez reimpressos e, no caso do Capitu, aparecendo de gaiato numa semifinal do prêmio Portugal Telecom, antecessor do atual Oceanos.

Sem estresse

Atravessar 16 anos foi também atravessar algumas fases do país, emitir discursos, provocando ou evitando. Em momentos mais polarizados, jamais senti qualquer tipo de restrição ou constrangimento neste espaço. E isso me deixou tão à vontade, sempre, quanto estar em casa.

Mulheres na área

Outra coisa que o Digestivo faz como poucos: convocar mulheres cronistas para suas fileiras. Não pesquisei detidamente, não fiz as contas, mas muitas cronistas ou "colunistas" passaram por aqui, segurando uma onda que ainda é hegemonicamente masculina. São, infelizmente, poucas as cronistas muito conhecidas. E se forem de humor então... quase nenhuma. Uma grande porcaria, mas esperado para o contexto geral.

Colunista?

Cronista ou colunista? Pois então implico com isso. Considero-me, desde os inícios, cronista. E isso porque, embora nem sempre eu consiga, pretendo sempre que meu texto aqui tenha um jeitinho literário e um lance atemporal; que dure mais que os fatos; que possa ser lido longe e adiante; que seja mais generalista que específico. Muitos outros colunistas escrevem comentários, textos muito presentes, com data de validade bem curta, coisa que nunca me interessou como escritora. Vez ou outra, publiquei aqui resenhas de livros ou teci comentários a certos fatos, mas a tônica não era essa. E não será.

Votos renovados

Pretendo fazer aniversário de 20 anos aqui. Pretendo arrancar deste terreno mais pelo menos um livro, por outra editora legal, que talvez me leve a mais leitores/as, noutro tipo de circulação. E provavelmente continuarei uma quase anônima na seara mapeada dos cronistas (impressionante, deveras, como nos esquecem ou nos ignoram). Mas... 20 anos não serão 20 dias, e minha gratidão, meu respeito e meu carinho pelo DC e pelo Júlio só confirmarão nossos votos de parceria e cumplicidade, tudo mais duradouro que muito casamento, oras. E tenho provas: já troquei e lancei ao mar algumas alianças; o DC, como veem, continua firme.

LeP


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 22/11/2019

 

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