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Domingo, 23/5/2021
Paulo Mendes da Rocha (1929-2021)
Julio Daio Borges

Fiquei triste com a morte de Paulo Mendes da Rocha.

Não fiz arquitetura, não estudei na FAU/USP, mas herdei, da Carol e dos seus colegas, uma admiração por ele.

Paulo Mendes foi orientador da Carol, no seu trabalho de conclusão de curso, em 1997. Começamos a namorar em 1998 e, por pouco, eu não peguei a apresentação do TCC dela, em que ele teve participação especial.

Mesmo não sabendo nada de arquitetura e mesmo tendo um interesse pequeno, que foi crescendo ao longo dos anos, eu adorava vê-lo falar.

Pensei que, como Borges, no final da vida, era chamado em todo o mundo, porque era “a voz” da literatura, Paulo Mendes da Rocha era a arquitetura falando (como se isso fosse possível - ele diria, num uso muito particular do imperfeito do subjuntivo).

Paulo Mendes dizia que a arquitetura era para ser vivida, mais do que vista, e, nesse sentido, vivi em seus projetos, como o da Pinacoteca do Estado, a que eu ia, mesmo que só para ver o acervo permanente, pelo tanto que eu me sentia bem naquele lugar.

No maravilhoso documentário sobre Villanova Artigas, disponível no Prime Video, Paulo Mendes da Rocha fornece alguns dos principais depoimentos.

Lá se conta a história curiosa de ter sido convidado por Artigas para dar aulas na FAU/USP, sendo que ele, Paulo Mendes, era arquiteto do Mackenzie.

E agora leio, no obituário que uma colega da Carol escreveu para a Folha, que, na verdade, Paulo Mendes foi para o Mackenzie porque não queria ir para a Poli/USP, onde seu pai - Paulo de Menezes Mendes da Rocha, engenheiro - era diretor, e onde se oferecia o curso de engenheiro-arquiteto (o que havia, na época).

Não me lembro se foi Tom Jobim ou Chico Buarque quem disse que arquitetura era “a engenharia de quem não queria fazer engenharia”. O fato é que ambos foram fazer arquitetura - e quem ganhou foi a nossa música.

Antes da pandemia - parece que faz muito tempo, mas foi outro dia -, percorri a “Ocupação” Paulo Mendes da Rocha, no Itaú Cultural, e saí embevecido, com seu trabalho e seus depoimentos.

Era jovial e altivo, como se ignorasse a própria idade, e fazia questão de sair caminhando pelas ruas de São Paulo, mesmo na última década antes do seu centenário.

Acompanhei suas aparições desde 1998, e nunca me pareceu que tivesse 70, 80 e, mais recentemente, 90 anos.

A Carol me contava que ele participava do tradicional “happy hour” da FAU, que tinha uma roda de samba, onde Paulo Mendes comparecia tocando pandeiro. E que ficavam todos admirados de ver o grande professor, das aulas, aterrissar num prosaico happy hour e batucar como um simples mortal.

Sempre me impressionou que fosse apaixonado por São Paulo, embora tenha nascido em Vitória, no Espírito Santo, e tenha vivido no Rio, na infância, antes de vir pra cá.

Os elogios que tecia à nossa cidade eram surpreendentes, porque a tendência dos paulistanos é execrar a própria cidade - seja pela ausência de planejamento urbano; seja pelo crescimento desordenado; seja pela pura e simples falta de beleza estética.

Paulo Mendes via a cidade como um grande espaço de convivência e não aceitava que as pessoas se encastelassem em condomínios e se isolassem em bairros afastados - algo que considerava artificial.

Não se conformava com grades, catracas e credenciamentos, hoje comuns em qualquer edificação. Achava o cúmulo que, para entrar num lugar, você tivesse de ser praticamente fichado e tivesse de dizer “o que vai fazer lá”.

O que normalmente vemos como um problema - como o adensamento populacional, por exemplo -, Paulo Mendes via como solução. Seu Sesc foi o da 24 de Maio e um dos seus projetos mais caros - entre os não-executados - era um remodelamento da Praça da República. Encarava os desafios mais complicados, em vez de fugir do Centro e se refugiar em outras localidades.

Outra personagem que dá uma grande parte dos depoimentos no documentário do Vilanova Artigas (supracitado) é a Rosa Artigas, filha dele, que, por coincidência, foi quem me convidou - a mim e ao Digestivo - para fazer uma série de eventos na Casa Mário de Andrade: um ciclo que chamamos de “A Palavra na Tela”, na década dos 2000, aproximando a literatura da internet - e vice-versa.

Quando vi a Rosa, conduzindo o fio do pequeno-grande Artigas, e das suas relações com a FAU/USP, me senti conectado, mais uma vez, a esse legado - embora, como já disse, nunca tenha estudado lá, tendo apenas compartilhado algumas memórias.

E, recentemente, esse link foi refeito, de maneira nova. A irmã da minha namorada, Camila, é da equipe de arquitetura responsável pela reconstrução do Museu da Língua Portuguesa, depois do incêndio, originalmente um projeto dele.

Paulo Mendes da Rocha se foi, mas suas obras, como os de Villanova Artigas, ainda estão lá. E as falas - do mestre oral - podem ser encontradas na internet. Perdemos um Sócrates da nossa arquitetura, mas, por outro lado, que privilégio ter vivido em seu tempo e lugar.

Julio Daio Borges
São Paulo, 23/5/2021

 

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