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Sábado, 1/1/2022
Maradona, a série
Julio Daio Borges

Acho que foi no Valor Econômico que eu vi a dica da série do Maradona, no Prime Video (Amazon Prime).

O ícone já havia aparecido para mim, mas não me atraiu pela estética de videogame. E por um certo “bode”, que eu tinha, em relação ao Maradona - suas aparições midiáticas e seus escândalos.

Mas, como disse, o Valor me levou a assistir. E passei a semana, entre Natal e Ano Novo, “maratonando”. Recomendo - e vou tentar explicar por quê.

Sempre fui "argentinófilo", contrariando o preconceito da maioria dos brasileiros - que acham os argentinos “arrogantes” e a Argentina, sempre um passo à frente em matéria de “abismo” político-econômico (lá a esquerda já voltou ao poder; aqui, ameaça voltar).

Mais ou menos como o Rio de Janeiro. Dizem que o Rio de Janeiro é o “trailer” do Brasil - por conta do populismo, da desigualdade, da violência. Mas a São Paulo - que é 10% do PIB do Brasil, enquanto o Rio é 5% - só falta o populismo, porque a desigualdade e a violência igualmente temos. Tudo bem que o Bolsonaro veio do Rio de Janeiro, mas e o Lula, veio de onde?

Enfim - bairrismos à parte -, a Argentina sempre me deixou boa impressão, desde a adolescência. Sobretudo Buenos Aires, que eu considero mais civilizada que São Paulo (podem me xingar). Se riqueza fosse sinônimo de civilização, os Estados Unidos seriam mais civilizados que a Europa (e não o são).

E tenho um grande amigo de juventude, o Manuel Marías, que me levou onde Aníbal Troilo se apresentava, para ouvir “Patotero Sentimental” (nunca vou esquecer). E tenho outro grande amigo, o Bruno Borgneth, companheiro de Rock in Rio, que é carioca... Então: sou suspeito para falar.

Mas voltemos ao meu assunto, que é o Maradona na Amazon.

Eu não sabia nada das origens humildes de “El Pelusa” (algo como “O Cabeleira”) em Villa Fiorito. Não sabia que era ajudante em feiras livres - e que não tinha dinheiro nem para pegar o ônibus e tentar a sorte no clube juvenil “Los Cebollitas”.

Na Patagônia, presenciei a rivalidade entre River Plate (Rio da Prata) e Boca Juniors, mas só fui entender agora, pelos videotapes. Também quando Maradona diz que jamais poderia jogar “en River”, porque “su viejo” era “Boca”... E, logicamente, pela sua despedida - de emocionar - em “La Bombonera”, o estádio do Boca.

Não vou negar que, na série, há um tanto de dramalhão - e muita gente não tem estômago. Nem para os excessos de Maradona, que, confesso, me enjoaram um pouco. “Fase da balada: pior fase da vida” - resumiu, certa vez, o pai de um amigo (que passou madrugadas acordado, velando pelos filhos)...

Não discuto as comparações com Pelé - porque não entendo nada de futebol -, mas Maradona teve o mundo a seus pés, e os tempos eram outros... “São demais os perigos desta vida, para quem tem paixão”, formulou Vinicius.

Para que se tenha uma ideia, a série termina com Maradona “no auge”, quando conquista a Copa do Mundo de 1986. Ele tinha vinte e cinco. Alexandre, o Grande, para dominar o mundo conhecido, precisou de mais de trinta.

Tudo bem que, com quarenta, Maradona tem o que seria sua primeira “overdose” - e o ator que o interpreta, nessa fase, deve ter no mínimo sessenta anos. Ele realizou a profecia de Lobão, segundo a qual é melhor viver “dez anos a mil” do que “mil anos a dez”. Lobão completou sessenta anos em 2017. Maradona morreu com sessenta anos em 2020.

Apesar do seu lado “novela mexicana”, a série revela muito das famílias latino-americanas. Onde o “chefe de família” é a mãe, “Doña Tota”. Se Maradona esquecia de lhe dedicar um gol, tinha de levá-la para jantar depois. Uma autêntica “la mamma” italiana (sim, italiana).

A outra mulher de sua vida é Claudia, a primeira namorada e mãe de suas filhas. Uma mulher forte, que segurou praticamente todas as ondas. Para ela vale a frase de Groucho Marx: “Por trás de todo homem de sucesso, existe uma grande mulher - e, por trás desta, existe a sua esposa”.

O problema é que não foi “uma”, foram “várias”... Incontáveis. A ponto de não se saber ao certo - até hoje - a quantidade de filhos de Maradona. Algo como um Ramsés II moderno (o faraó do Egito, que teve mais de cem filhos). Não à toa, o documentário sobre Maradona - na mesma Amazon - se chama “La muerte de Dios”. (E não tem nada a ver com Nietzsche.)

Se você não gosta do Maradona, nem da Argentina, nem dos argentinos, deve ter alguma dificuldade em admitir... mas ele foi uma daquelas figuras “maiores do que a vida” (em inglês: “larger than life”) - e a série nos dá uma ideia disso.

Mesmos sendo roubado por seus “managers” (“representantes”), Maradona gastou o que tinha - e o que não tinha - em casas, automóveis, mulheres, luxos para a família inteira (que naturalmente sustentava), os “parças” (já os havia) e as drogas... A partir de um certo ponto é impossível saber quando Maradona estava “limpo”. (Até seu traficante lhe pergunta.)

Mesmo com tudo isso, não há como não reconhecer seu gênio, “con la pelota”, embora, fora dos campos, fosse um “pelotudo” - uma “besta”, em castelhano. “Q.I.” de jogadora de tênis, diria o politicamente incorreto Paulo Francis.

E me emocionei, confesso, quando, na série, eles ganham a Copa de 86. Aqui no Brasil, só lembramos da nossa derrota para a França, nas quartas de final. Mas, assistindo, foi claramente a Copa do Maradona. E ele foi um grande capitão de seleção - embora, como técnico de seleção, tenha sido... um grande jogador de futebol (isso bem depois).

Aliás, isso a Amazon não mostra. A série nos poupa da sua decadência (embora não nos poupe dos excessos).

E eu poderia falar do papel da imprensa, que converteu sua vida num inferno. Também da sua ida para o “Barça” (Barcelona) - os catalães não gostavam de Maradona... Ainda da sua temporada em Nápoles - e de como a Itália, na série, parece uma “república de bananas”...

Mas já dei muito spoiler. A trilha sonora - com tango, rock argentino e “tarantelas” - é, igualmente, boa.

Gracias, Diego. Por todo!

Julio Daio Borges
São Paulo, 1/1/2022

 

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