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Sexta-feira, 31/7/2020
A desgraça de ser escritor
Luís Fernando Amâncio

O mundo ficou chato – para ser escritor. No passado já houve algum glamour no ofício. Éramos respeitados, vistos como intelectuais, parte da nata pensante. É verdade que muitos sucumbiam à tuberculose, se perdiam nos insinuantes caminhos da boemia e coisas assim. Mas valia a pena. Havia o respeito.

Isso, entretanto, foi antes da cloroquina. Hoje em dia, intelectuais e cientistas reviram a lixeira do desdém em tempos de mamadeira de piroca. Só que os escritores, na contramão do bom senso, ignoram a realidade. Afinal, são sonhadores por natureza.


Ludibriado com a possibilidade de se tornar um autor consagrado comercialmente, com duas iniciais e sobrenome pomposo, o aspirante a Stephen King sonha em viver dos royalties de seus livros. Ser traduzido para os mais inusitados idiomas. Vender uma adaptação para Hollywood, quem sabe? E viver em uma mansão no sul da França, com um Golden retriever e um veleiro ancorado por ali.

O escritor contemporâneo é, acima de tudo, um iludido. E de tanto sonhar com a glória, vai absolvendo as chibatadas do mundo cão com o sorriso dos abobados. A cabeça nas nuvens, ele não repara que as únicas editoras que respondem ao envio do seu livro genial são as que cobram pela publicação. “Deve ter caído no spam da Cia das Letras”, ele se convence.

Então, o escritor direciona sua estratégia para os concursos literários. “São tantos, em algum terei sucesso”. São mesmo, mas não é bem por aí. Quando sai o resultado, nada do seu nome na lista dos laureados. Só um número: trocentos participantes, sem premiação em dinheiro. “Essas bancas devem ser parciais ou desatentas”, o escritor se defende. Afinal, ele é um grande pensador contemporâneo.

Com o tempo, até aparecem algumas menções honrosas. O escritor se empolga: agora vai. Nada. São tantos os concursos que um prêmio desses lhe dá zero visibilidade. E sem holofote, suas ideias revolucionárias passam despercebidas.

E eis a nova tragédia do escritor contemporâneo: tentar criar seu público leitor. Embebido pelo espírito do tempo, a nova moda é tentar ser a Pugliesi das letras. Aparecer no Instagram, em discussões no Facebook, comentar os assuntos do momento no Twitter. Fotos de gatinhos, tenho percebido, também são uma estratégia recorrente nos jovens escritores almejando ser influencers. A guerra pela visibilidade permite armamento pesado.

É uma batalha inglória. Pois em algum momento, o pobre autor encara sua triste sorte: é tanta oferta de obras geniais que a sua, no fim das contas, só importa para ele mesmo. E, com sorte, para uma meia dúzia de amigos, que no fim das contas, talvez estejam ali só pelas fotos de gatinhos, mesmo. Ele sempre será seu próprio fã número único.

Enfim, ser escritor é uma desgraça, mas a aceitação é uma etapa necessária. Nos resta a diversão e buscar gastar nosso tempo no ofício com dignidade. Acredito que boa parte dos autores que participam da comunidade EntreContos passou por isso. Com origens que remontam ao Orkut, o site promove célebres desafios literários, que colocam os escritores no papel de competidores e jurados. E o exercício de avaliar os colegas com critérios técnicos e ver o seu conto submetido ao rigor dos pares é um aprendizado e tanto. Todo ano, os contos com as melhores avaliações são reunidos na antologia Devaneios Improváveis. O formato dos desafios, bem como a motivação dos participantes de tentar aperfeiçoar sua escrita, fazem essas coletâneas ter um alto nível de qualidade. Participei dessa escola em 2019 e pude colocar um conto meu no sétimo livro, por incrível que pareça. A sétima antologia Devaneios Improváveis está disponível para download neste link.

A leitura vale a pena. E se todo esse meu discurso sobre a tragédia que é escrever literatura não sensibilizou o leitor a nos prestigiar com a leitura da antologia, olha, só me resta ir adotar um gato ali na rua...


Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 31/7/2020

 

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