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Sexta-feira, 8/1/2021
2021, o ano da inveja
Luís Fernando Amâncio

Nunca fui um entusiasta do réveillon. Talvez seja um apego à memória infantil, quando o fim de ano tinha todas as expectativas concentradas no Natal. Papai Noel, presentes, mesa farta... ali estava o ponto alto do ano, o motivo para cada criança no mundo se comportar naqueles 12 meses anteriores.

Já a virada do ano, para um pirralho, é um tanto insossa. Uma festa com cara de fim de festa. Arroz com lentilhas? Vestir branco? Simpatias com sementes de uvas e pulo de ondinhas? Nada disso era melhor do que ganhar o brinquedo que, naquela altura do campeonato, já estava quebrado.

Só que a gente cresce e começa a entender um pouco sobre a simbologia das coisas. É importante fechar ciclos, renovar as esperanças e recomeçar o ano com a sensação de estar diante de página em branco. Sobretudo quando o ano anterior se chama 2020.


Sejamos claros: não foi fácil. Exceto para a Amazon, que cresceu como nunca nessa pandemia. Mas, para pessoas normais, foi um desafio viver com o avanço de uma doença desconhecida e seus inevitáveis impactos econômicos.

Todavia, eu tenho um alerta para o leitor: dificilmente 2021 será um ano assim tão melhor para o brasileiro. Ao menos se meus conhecimentos em energias e boas vibrações estiverem corretos. Pois, se o destino do ano está ligado à forma que a gente o inicia, o prognóstico não poderia ser pior.

Não importa a cor da roupa íntima ou a qualidade do espumante: ninguém inicia o ano realmente bem. Primeiro, porque a gente já começa com uma sensação de excessos: a gula cultivada na abundância das festas, a ressaca por misturar bebidas exóticas e a preguiça paquidérmica de avistar o primeiro dia útil logo ali. Sem falar na depressão quando, ampliando o olhar, nos deparamos com o caminhão de contas para pagar em janeiro. Ou seja, a gente até faz festa, mas é para esconder o astral negativo no início do ano.

Nesse réveillon do covid 19, então, o brasileiro ainda possui o agravante da inveja. Estamos afundados até o pescoço nesse sentimento tão condenável. E o pior: nossa inveja está descontrolada. Tudo começou com os velhinhos ingleses, cuja vacinação, desde dezembro do ano passado, seria uma imagem de esperança para o mundo.

Não para o Brasil.

Esse é o nível da desgraça. Invejar um grupo de senhoras e senhores que mal podem comer sua porção de peixe e batatas-fritas sem se preocupar com o colesterol. Eu pensava que o brasileiro só invejaria o povo inglês pelo o fato de o campeonato de futebol deles não parar no período de fim de ano – por ironia do destino, isso ocorreu aqui em 2020, como consequência da pandemia.

Mas as imagens dos idosos britânicos sendo imunizados foi só o começo. Agora, invejamos também os canadenses, norteamericanos, argentinos, mexicanos... É só dar F5 nos noticiários e um novo país apresenta o calendário de vacinação. Enquanto isso, o governo brasileiro continua receitando o negacionismo para conter a pandemia.

Sendo assim, segue a minha previsão: 2021 será o ano da inveja para nós. Fico na torcida para que seja uma inveja construtiva, se é que isso existe. É importante tornar esse sentimento ruim em algo útil. Depois de lamentar por não sermos neozelandeses, por exemplo, precisamos refletir sobre o que nos deixa tão longe da organização de outros países.

Uma dica: talvez a diferença passe pelo fato de termos uma liderança política que se preocupa mais em ser pitoresca do que em ser competente. Ter um presidente que “come pão de sal com leite condensado” e produz frases de tiozão do pavê pode não ser o melhor remédio contra uma pandemia. Tampouco ivermectina ou cloroquina.

Vamos lembrar disso em 2022. Pois, se 2021 será o ano da inveja, 2022 ainda pode ter salvação.

Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 8/1/2021

 

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