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Quarta-feira, 20/3/2002
SOS: Mar Del Plata Urgente
Rennata Airoldi

INÍCIO DO SONHO

Dias que se transformam em meses de ansiedade e anos de espera. É assim até que se conclua a finalização de um longa metragem que tem como característica a utilização de poucos recursos financeiros. O filme, Cama de Gato, direção e roteiro de Alexandre Stockler, é um bom exemplo disso. A partir de uma nova maneira de encarar a produção cinematográfica, e sobre novas diretrizes e perspectivas, surge o movimento denominado TRAUMA. Cama de Gato é o primeiro filme a ser realizado.

Em 2002, após convites para alguns festivais importantes, surge a real possibilidade da estréia do longa no 17º Festival Internacional de Cine de Mar del Plata, a se realizar entre 7 e 16 de março do mesmo ano. Sendo um dos festivais Classe A do mundo, o filme estaria na mostra competitiva como único representante brasileiro concorrendo ao prêmio argentino. Um dos 17 privilegiados numa seleção entre mais de 600 títulos enviados ao festival. O mais excitante, porém, é que, segundo os próprios organizadores do festival, o filme seria um dos grandes favoritos.

De qualquer forma, nesse meio tempo, entre a seleção do filme e o início do festival, o longa ainda se encontrava em processo de finalização - com o conhecimento da organização do festival, obviamente. O processo de passagem do material feito em digital para a película 35mm é muito lento e, muitas vezes, as falhas acontecem. Foi assim que, três semanas antes do início do Festival, o diretor do filme consultou os organizadores e sugeriu a hipótese de o longa não participar, uma vez que havia chances de não estar pronto a tempo de ser exibido.

Por se tratar de um filme muito radical e polêmico, o festival insistiu na presença do filme, mesmo sabendo uma semana antes que problemas técnicos não permitiriam ao filme estar finalizado em 35mm, mas somente no formato digital.

MUDANÇA DE PLANOS

Uma vez que o filme não estaria pronto em 35mm, propôs-se a exibição no sistema Beta SP, que, até a véspera da exibição, estava confirmada. O filme, ao chegar em Mar del Plata, passaria por um teste de imagem, sendo que ainda faria parte da competição. Dia 13 de março, ao chegar em Mar del Plata, a bomba: O filme está fora da mostra competitiva!!! Silêncio. Revolta. Decepção. Após quase dois anos de espera, não haveria a estréia do filme. Por quê? Porque a direção do festival, representada por Cláudio España, decide consultar um advogado na véspera da exibição e determina a desclassificação do filme.

É lamentável, pois com isso ele esperava que o diretor do longa, Alexandre Stockler, sentisse a necessidade de exibir o filme mesmo fora de competição, o que não ocorreu. Por outro lado, com grandes chances de vitória, o filme não poderia estar em outro formato senão em 35mm. Segundo o diretor, a grande falha do festival foi não ter comunicado a ninguém ligado ao filme, desde o princípio, que não poderia haver outra forma de exibição, determinando a ausência do filme no Festival desde o princípio. Isso seria muito mais coerente e realista. Em vez disso, move-se uma equipe para o evento, que seria comunicada da não-participação somente na chegada. Justo? Correto? Eu diria que não. Mais que isso, diria que tudo não passou de uma grande covardia por parte do diretor do festival, Cláudio España.

A FARSA

É incrível como as pessoas são capazes de se contradizer, dissimular e fazer discursos tão incoerentes em questão de minutos. Assim se portou Claudio España ao ser desmentido e desmascarado por seu próprio assistente, Mauro Andrizzi, cara a cara. Diria que, com o perdão da palavra, o organizador do festival não passa de um grande cafajeste. Pela maneira de porta-se diante de pessoas que só têm um objetivo: executar uma obra de arte!

Embora não saiba, tudo isso serviu ao menos para mostrar a expectativa que se tinha em relação a Cama de Gato no festival, onde foi recebido em clima de "já ganhou". Algumas das pessoas envolvidas no festival que tiveram acesso ao filme não cansavam de afirmar: "era o meu favorito". A espera pela exibição era grande e, para desespero da organização, boa parte dos ingressos estava previamente vendida. Realmente, tudo não passou de um sonho ruim...

O DESFECHO

A grande ironia de tudo o que aconteceu é que, embora o filme jamais tenha sido exibido no festival, era o mais comentado, o mais questionado, o mais esperado. Pessoas em volta queriam conhecer o diretor do filme que nunca foi visto. Chegaram até a pedir autógrafo para Alexandre Stockler! Seria esse o lado positivo dessa história de mau gosto? Sim, pode ser. O que ocorreu, porém, é que declarações de España ao jornal brasileiro Folha de São Paulo sugeriam que Levine, agente internacional do filme, é que havia sugerido toda a trapaça para que o longa permanecesse como competidor de maneira a redimi-lo de qualquer culpa.

Entretanto, o próprio autor da acusação, dias depois, se contradisse novamente no mesmo jornal, dizendo que não havia sido proposta nenhuma trapaça. Refeito seu discurso e desmentido por seu assistente, sai uma nova versão da história no mesmo jornal. Isso descarta, porém, o que foi dito? Talvez sim. A única coisa é que as pessoas de bom caráter não acusam outras de maneira leviana e irresponsável como España fez, mesmo admitindo ser um fã do filme.

De qualquer forma, Cama de Gato tornou-se um ícone do 17º Festival de Cine de Mar del Plata como o filme mais polêmico e famoso não exibido! Quanto ao futuro, não se sabe com certeza; tudo o que envolve esse longa é radical e sempre em extremos, nunca em doses homeopáticas... Muita paixão, muita alma, muita espera, muita expectativa, muita dedicação, muito trabalho e - por que não? -, no futuro, muito sucesso!

Para ir além

www.camadegato.com.br

Rennata Airoldi
São Paulo, 20/3/2002

 

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