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Sexta-feira, 23/4/2021 Você é rico? Luís Fernando Amâncio Dia desses, eu estava assistindo vídeos sobre criação de tartarugas – e você aí, achando que seu histórico de internet é excêntrico. Basicamente, o youtuber tirava dúvidas e dava algumas informações sobre como manter um aquaterrário. Um entretenimento para toda a família em um sábado à noite. E, enquanto vejo vídeos no YouTube, minha curiosidade sempre passeia pelos comentários no vídeo. Essa mania contemporânea de fazer várias coisas ao mesmo tempo, sem fazer, efetivamente, nada. Aí, me deparei que a seguinte questão de um internauta: você é rico? Imagem retirada do Pinterest Assim, do nada, sem bom dia, boa tarde, como vai você. Enquanto o sujeito no vídeo explicava como se escova o casco da tartaruga, o inscrito no canal pensou: interessante, será que esse cara é rico? Entender a escalada de associações que a mente humana faz, de fora, é complexo. Mas o comentário foi a madeleine que me levou para os tempos arcaicos em que eu estava no ensino básico, quando esse tipo de questão era relevante. Sim, em algum lugar entre a infância e a adolescência havia essa preocupação coletiva, de fingir não ser pobre. O que era meio besta, afinal estávamos todos na mesma escola pública, com tantas precariedades, disputando espaço na fila da merenda. Conhecíamos as casas de cada um, algumas só no reboco, outras com a pintura já vencida. Porém, ninguém queria ser considerado pobre. Para isso, alguns ostentavam roupas de marca como manequins de lojas, buscando algum status. Mesmo que fossem vestimentas falsificadas. Outros negavam veementemente que seus tênis fossem comprados na promoção. Éramos todos pobres, afinal de contas, e sabíamos disso. Convivíamos com as dificuldades de nossos pais, conhecíamos bem o que eram privações econômicas. Mas os outros não podiam saber. Eu não diria que é bom envelhecer. Não é. Mas ganhar alguma maturidade tem suas vantagens. Hoje, algo que me orgulha é não ser rico. Não tem coisa mais cafona do que rico. Aquele ar de superioridade por seguir a etiqueta, as festas com lounge music, a interação com os outros indivíduos da espécie nos clubes de elite... Todo esse encenação de pompa para gastar dinheiro sonegado em impostos comprando pinturas do Romero Britto e apartamentos em Miami. Tô fora. Recentemente, um rico proporcionou um dos maiores vexames públicos do Brasil. E olha que é difícil competir com a política desse governo. Mas estou falando do torcedor do Internacional que doou um milhão de reais ao seu time para o que o lateral Rodinei fosse escalado para enfrentar o Flamengo. Por ter seus direitos econômicos vinculados ao clube carioca, o jogador só poderia atuar na partida decisiva com o pagamento da multa. Imagino que meus raros leitores não necessariamente acompanham futebol. Então, em resumo, digamos que Rodinei não é um craque. É um jogador que, ao ser escalado, jamais deixou sua torcida eufórica. A dos adversários, talvez. Mas era o titular do Inter, que aceitou a doação de seu ilustre mecenas. O lateral entrou em campo, foi expulso quando o jogo estava empatado e, em desvantagem numérica, o Colorado saiu derrotado. Ou seja, o torcedor mecenas não só viu seu time perder o campeonato, como foi, indiretamente, responsável. Ah, e ficou um milhão mais pobre – não que isso faça diferença para um magnata da soja. Todavia, eu tirei uma lição dessa trapalhada toda. Prefiro continuar pobre e acompanhar as derrotas do meu time sem financiá-las. Me chamem de tradicional, se quiserem. Mas sou do tempo em que a gente acompanha as desventuras do nosso time de forma gratuita, só culpando os cabeças de bagre que estão em campo. Incluindo o árbitro. Luís Fernando Amâncio |
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