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Quinta-feira, 19/8/2021 Lourival, Dorival, assim como você e eu Elisa Andrade Buzzo Ai, esses altos, esses baixos, essas ruas do bairro em que andávamos, e onde nunca nos encontrávamos, se tudo é uma mesma coisa, um mesmo conjunto contundente e severo de morros que, ora subimos, ora descemos, em montanha-russa adulta. Se a dor nos aflige, para em seguida alcançarmos breves louros, cuja coroa se desfolha em nossas cabeças recém-coroadas, e voltarmos a ser dolorosos e aflitos. E é aí, nessa transubstanciação de vitória em derrota, de derrota em vitória que nos espelhamos, nesta sala mágica, em que somos gordos ou magros, mas sempre os mesmos. Encontrei Lourival, o antes magnífico e influente, num simples balcão de bar, daqueles originais da década de 1960, no início da madrugada, esperando seu prato. Havia ainda outros homens sozinhos, fugidos de seus compromissos familiares, jovens que comiam aquela porção sagrada de batata frita, alguns casais; eu comia o sacro hambúrguer de sempre. Imaginei, naquela gravata descomposta e naquele rosto agora brilhoso de Dorival, que Lourival encarnara, e estava de emprego novo. Um emprego novo, estranho, que não queria, mas pagava as contas que duplicavam. Costas arcadas, dolorida expressão disfarçada comendo seu hambúrguer. Lourival se transformara em Dorival, mas logo volta a ser Lourival - um outro transformado pelos reveses da vida. Eu gosto mais dele do que de outros tipos Mister Confiança, que já se sentaram ao meu lado com o rosto estéril de Vitória de Samotrácia; porque nada se conquista definitivamente, tudo se encontra entre os dedos, balançando, e as mãos podem de repente não responder a movimentos bruscos. Os objetos, viventes ou não, são sempre escorregadios. E os dedos, estes, ainda que firmes, tremem em volubilidades; mesmo que se crispem em um murro, alongam-se mais tarde em um carinho. E esta é a sua história, tal como é, tal como foi, ou tal como imagino que poderia ter sido: a de Lourival, ou Dorival, um antigo amigo meu. Estamos assim, numa corda-bamba, fracassados e hirsutos; mas, afinal, nesse parque de diversões em que nos encontramos confundidos pelas luzes, inebriados pelas sombras, que é o fracasso? Um tipo de vida sujeita a alterações, apenas, e não o contrário de sucesso. É comer um hambúrguer informal, saboroso e inesquecível, como na cena final de How to Marry a Millionaire: uma espécie de Santa Ceia, com Marilyn Monroe, Lauren Bacall e Betty Grable, todos juntos e unidos em um triunfo vindouro. Elisa Andrade Buzzo |
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