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Terça-feira, 8/2/2022
Aonde foi parar a voz da nossa geração?
Renato Alessandro dos Santos

“As palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão. Mal ouso clamar palavras a essa rede vibrante e rica, mórbida e obscura tendo como contratom o baixo grosso da dor. Alegro com brio. Tentarei tirar ouro de carvão. Sei que estou adiando a história e que brinco de bola sem bola.”

Clarice,

Ouço uma música chamada “You’re in America”, de uma banda obscura dos anos 1970, Granicus, e só consigo pensar no sol de Teletubbies que o Led Zeppelin era pra esses caras. Um horizonte. (Em technicolor.) É um música ótima, de fato, mas, de original, não tem nada, ao menos depois que Sir Plant (quase), ou melhor, um dos comandantes da Ordem do Império Britânico, ecoou garganta afora os gritos orgasmatron que toda a gente que gosta de hard rock 1970 conhece tão bem.

Você gosta de hard rock 1970, Clarice?



Almeida Garret, em 1825, cantou as ruínas romanas no romantismo e, depois, em 1836, Gonçalves de Magalhães fez a mesma coisa. É a mesma “coisa”? Não é e é, né? Porque é tudo romantismo, mas, não é, também, porque o “grito no meio da tempestade” de nosso poeta árcade-romântico já havia sido dado por Garrett, e olha que, antes do bardo lusitano, quem havia gritado mais alto foram Coleridge & Wordsworth e, mesmo assim, antes do Caju & Castanha das baladas inglesas, a tempestade já havia passado pela Alemanha, onde a chave encandeceu-se de raios, porque a sofrência de Werther foi vertida em palavras suicidas, por Goethe, mas, de lá da Idade Média, já não haviam vindo lamúrias românticas que aquele divino comediante infernal de Florença havia vulgarizado?

Ah, atemporal amor...

E você, Beatriz, no centro de tudo, enquanto o bardo atravessa o inferno, uma flecha em sua direção, com o GPS Virgílio alertando, “a 300 metros, vire à esquerda”.

Sempre, Beatrice.

Clarice, você ainda está aí?

A voz ecoa mata adentro, e o silencio é quebrado, levando uma porção de gente a seguir o murmúrio que se cria.

E tudo se estilhaça 100 anos depois da Semana de 22.

Há fragmentos por aí, e nada daquele tempo antigo em que tudo fazia sentido, e agora... Agora, a noite é quase perceptível já, embora a tarde de sábado ainda conte com o sol que mais desfalece (cansando) que enaltece (cantando).

Há uma preguiça nos trópicos, que só com muita cajuína transcendental se vence.

Enquanto isso, este texto vai criando essa forma versilibrista, da mesma maneira que uma lata de leite condensado vira brigadeiro, se apetece um pouco mais de açúcar nas veias já repletas de glicose.

E aquele filme da Netflix? Você viu, Clarice? Não sei se corto os pulsos ou se deixo crescer. kkkk

Eu preferiria deixar crescer, o que me permitiria coçar as costas em lugares inalcançáveis até então; sem falar do prazer de ouvir o sangue fluir, crescendo que nem dinamite, ouvindo o barulho da aveia, com seu rumor de lanças de grama, que, esgrimindo, flertam com os raios mais alaranjados que há por aí, enquanto vão brotando céleres que nem a barba que se faz, dia sim, dia não, dia não, dia não, que nem... Ai, que preguiça...

Quedê a voz que nos guia a gente nessa toada árida quente sem chuva seca cheia de caloria letras cansadas de tudo e música que ninguém mais parecer ouvir?

Quedê, Clarice?

Renato Alessandro dos Santos
Batatais, 8/2/2022

 

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