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Terça-feira, 24/5/2022 A suíte melancólica de Joan Brossa Jardel Dias Cavalcanti (A presente resenha, foi escrita a quatro mãos, por Mário Alex Rosa e Jardel Dias Cavalcanti.) Quando se fala em Joan Brossa no Brasil, a primeira imagem que talvez venha à nossa mente é que foi um poeta criador de diversos objetos, de muitos poemas-objeto. Mas Brossa foi também um grande criador de belos e instigantes poemas visuais, inclusive de proporções esculturais, como se pode encontrar nas ruas e parques de Barcelona ― cidade onde nasceu em 1919 e veio a falecer em 1998, poucas semanas antes de completar oitenta anos. A bem dizer, Brossa transitou em diversas áreas, tais como a poesia, o teatro, a música, as artes visuais, a performance. Não havia fronteiras para ele entre as artes, pois tudo poderia ser contaminado de uma para outra. No entanto, é essencial lembrarmos que para o poeta de origem catalã a palavra em si era o centro de tudo, inclusive as letras, o alfabeto. Um A, por exemplo, ganhou ares de uma vela de um barco, para ficar em um exemplo apenas. Essas referências pontuais ajudam a situar um pouco a produção de Joan Brossa, autor que transitou desde a tradição mais fechada do verso metrificado (soneto) ao verso livre. A propósito disso, acaba de sair mais um livro do poeta no Brasil: Suíte transe ou a contagem regressiva (2021), pela Lumme Editor, com tradução de Ronald Polito, que provavelmente é hoje o tradutor que mais vem divulgando a obra de Brossa entre nós. Em 1998 saiu Poemas civis, em parceria com Sérgio Alcides; depois vieram 99 poemas (2009), Sumário astral (2003) e Escutem esse silêncio (2011). No posfácio da nova tradução, Ronald Polito anota que “são dez poemas e que constituem um ciclo perpétuo de aprendizagem, que a natureza circular dos textos vem indicada pela forma de sua numeração e, em parte, pelo sentido da sequência de poemas. Vejamos: as seções do livro são em ordem decrescente, de 10 a 1, em arábica; já os poemas, eles são numerados em ordem crescente e em romano: de I a X”. Há, portanto, uma dança (suíte), um transe ― ou seja: uma suposta alteração de consciência e que se completa numa contagem regressiva, mas também numa progressão. Para além dessa numeração crescente e decrescente (ou vice versa), o que se pode notar nesse poema-livro é o tema da passagem da vida, daí talvez se possa ver essa numeração como um ciclo que está por se encerrar. O poema de abertura do livro já anuncia que existe uma tristeza, embora não se saiba o motivo dela. E, para aboli-la, o poeta procura por uma pedra que seja de cor verde-claro, “porque dizem que cura a tristeza”. O abatimento aparece no segundo poema, como o absurdo em resolvê-lo aparece no poema seguinte e, de certa forma, em todos os poemas. A construção nonsense das imagens "dadaísta-surrealistas" (já que a união de imagens e objetos ― ready-mades em desacordo ― é constante na obra de Brossa) e sua reverberação no absurdo de suas tentativas de solucionar a existência vão se alinhavando de forma inusitada. Veja-se, por exemplo, os versos seguintes: “na mesa vocês podem plantar flores/ e nas pernas dos barcos/ nos cabe cravar ferraduras/ porque os peixes são no mar o que os ratos na casa”. Esse breve e precioso livro composto por dez poemas, mas que pode ser lido como se fosse um único poema dividido em dez partes, e cada uma das partes forma um todo, como um ciclo da vida que parece se completar. Para isso, Brossa toma como princípio o próprio movimento da natureza, porém ela continuará existindo sem o homem, como anota neste verso que soa como despedida trágica, anunciando o sem sentido de sempre da existência do homem neste planeta. Depois da derrocada final, “...o universo continuará existindo/ sem o homem”. Os poemas falam, em geral, de uma caminhada in regress. Mas, poeta que é, move “os sentidos de acordo com as palavras”. Palavras objetos, constructos, os poemas revelam angústia e revelam ― do ordinário ao extraordinário ― a complicada e exasperante existência, onde nada está nos conformes, como as imagens por ele criadas. Há uma abertura para “um pessimismo contido”, mas também para uma esperança contida, como se pode ver numa das passagens do poema de número IX: “E, se tudo começa por acabar,/ tudo acaba por começar de novo”. O oitavo poema fala do número 8, que deitado ganha a forma do símbolo do infinito. O infinito, também, no vaivém de sua configuração, é o eterno retorno da vida, sua contagem regressiva, do fim ao início, quando tudo era Nada. Jardel Dias Cavalcanti |
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