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Sexta-feira, 11/3/2022 Mamãe falhei Luís Fernando Amâncio Arthur do Val, um dos principais membros do Movimento Brasil Livre (kkkk), foi cobrir a guerra da Ucrânia. Ele, deputado estadual por São Paulo, viu ali uma oportunidade de fomentar o engajamento de seus seguidores (698 mil no Instagram) produzindo coquetéis-molotov para a resistência ucraniana. Era uma missão humanitária. Porém, como sentencia a sabedoria popular, peixe morre pela boca. Vazaram áudios em que o político se referia de forma desrespeitosa às mulheres ucranianas. Elas seriam “fáceis por serem pobres”. Os arquivos compartilhados também podem denotar racismo, já que o deputado afirma que as mulheres do leste europeu (louríssimas, como se sabe) seriam as mais “top” em qualquer balada no Brasil. Mulheres miscigenadas, aparentemente, são inferiores para ele. O conteúdo dos áudios, evidentemente, desmascarou a solidariedade internacional de do Val. E, apesar de mais de meio milhão de paulistanos terem o escolhido no pleito para prefeito em 2020, sua pré-candidatura para o governo estadual caiu em desgraça. Vera Iaconelli, em artigo para a Folha desvendou a ascensão da figura do “moleque” na política nacional. Segundo ela, o moleque não é uma criança, mas um sujeito crescido que se vangloria por agir de forma errática. Seu trunfo é não agir de forma socialmente aceitável. Arthur do Val – que espécie de adulto se autodenomina “Mamãe Falei”? – e seus comparsas no MBL ganharam visibilidade justamente por esse comportamento. Eram jokers profanando exposições de arte, universidades e escolas públicas. Jovens sem limites, mas que pediam censura aos conteúdos da temível ideologia de gênero e ao marxismo que se ensina para nossas criancinhas. Garotos que se opunham aos políticos tradicionais, e que não vacilaram, num segundo momento, em se filiar aos partidos mais conservadores no mercado – os da bancada da bala, dos agrotóxicos, da Bíblia etc. Sem se restringir à política, podemos observar a figura do moleque em outras esferas de nossa cultura. Lembram de como atuavam os repórteres do Pânico e do CQC, constrangendo celebridades e cidadãos comuns? Eram as características que compunham o personagem “Joselito sem noção”, do Hermes e Renato. No futebol, por exemplo, o jogador mais vitorioso em atividade, o brasileiro Daniel Alves se intitula “Good Crazy”. Um maluco do bem. Ele se veste muitas vezes de forma excêntrica em cerimônias e usualmente posa para fotos com a língua pra fora e olhos arregalados. Sua conta no Instagram computa 35,3 milhões de seguidores que devem apreciar a postura de descontração do lateral-direito. Neymar, o melhor jogador brasileiro de sua geração, possui 171 – e não é maldade, a consulta foi feita em 08/03/22 – milhões de seguidores. Apesar dos 30 anos, ainda é chamado de “Menino Ney” pelos fãs. Atualmente, sua presença em festas e seus affairs chamam mais a atenção do que seu desempenho em campo. Ele declarou há poucas semanas, sem qualquer pudor, que gostaria de atuar na liga norte-americana de futebol para usufruir de um maior período de férias. Na música também encontramos a figura do moleque. Se ouvimos os principais sucessos recentes da música sertaneja, por exemplo, percebemos letras que exaltam o excesso de bebida, os relacionamentos fugazes e o que poderíamos chamar de “vida de farra” . Não estou aqui em um julgamento moralista. Ninguém precisa ouvir música existencialista na balada. Só destaco elementos que corroboram meu argumento. De que a exaltação da figura do moleque está entranhada em nossa cultura contemporânea. É quase uma síndrome tardia de Peter Pan. Os adultos exemplares para nossa juventude são justamente aqueles que não se comportam como... adultos. Lembram de quando o presidente andava de jet-ski em Santa Catarina enquanto a Bahia vivia uma tragédia por conta das chuvas no fim do ano passado? E dele se recusando a usar máscara em aglomerações no momento em que o país batia recorde de contaminados e de mortos na pandemia? 19,4 milhões seguem ele no Instagram. 57,8 votaram o elegeram para o cargo máximo do país em 2018. Existem moleques de todas as idades. Arthur do Val, ou Mamãe Fal(h)ei, foi exposto. O conteúdo sexista e racialista do áudio causa repugnância em quem tem lucidez. Só que não somos tantos assim. Em breve, talvez no TikTok, surgirá um novo “moleque” para ser cultuado. Luís Fernando Amâncio |
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